A consagração se faz a Deus. E a consagração a Nossa Senhora? Em si não se consagra a Nossa Senhora. Talvez alguém estranhe esta afirmação. Então, vamos por partes.
Consagração vem do latim consecrare, consecratio, e significa ação de consagrar aos deuses; dedicar aos deuses, tornar sagrado. Temos ainda o verbo sacrare que significa consagrar, votar a uma divindade, dedicar, tornar sagrado, celebrar.
Em português a palavra consagração foi adquirindo um sentido mais amplo: honra ou aplauso manifestado pela opinião pública, exaltação, glorificação. A palavra é usada também para indicar a parte da missa em que o pão e o vinho são transubstanciados no corpo e sangue de Cristo; cerimônia em que se sagra um bispo; cerimônia praticada na profissão monástica; oferecer por culto ou voto: consagrar o recém-nascido a Nossa Senhora. Pode significar também oferecer afetuosamente; dedicar.
A partir de uma teologia litúrgica nos últimos decênios, usa-se na Liturgia a palavra consagração no sentido mais estrito. Abandonou-se o termo consagração e sagração episcopal. O Ritual das Ordenações fala em “ordenação episcopal”, e não, “sagração” episcopal. Não se diz mais “sagrante principal”, mas “ordenante principal”. A oração principal é chamada “prece de ordenação”. O mesmo se diga em relação às igrejas e altares. Abandonou-se o termo “consagração” de uma igreja ou de um altar. Usa-se o termo “dedicação” de igreja, “dedicação” de altar.
Esta mudança no uso do termo consagrar reservado para a dedicação ou oferta a Deus, também foi adotada no Ritual do Batismo. Não se usa mais o termo “consagração” a Nossa Senhora ou madrinha de “consagração”. O próprio batismo constitui a verdadeira consagração a Deus. Sugere-se a palavra “entrega” a Nossa Senhora ou colocar sob a proteção de Nossa Senhora. O Ritual do Batismo diz: “Onde for costume, no final da celebração, pode realizar-se um ato de devoção a Maria, confiando à sua proteção a vida e a fé das crianças”. Quem confia a criança à proteção de Maria são os pais. Não se prevê “madrinha de consagração”. Mas seria bom abandonar o termo “consagração”, reservando-o para Deus.
A própria Santa Sé tem-se manifestado a respeito do uso do termo consagração. No Diretório sobre a Piedade Popular e Liturgia, tratando da “Veneração da Santa Mãe do Senhor”, no item “A consagração/abandono a Maria” se diz: “À luz do testamento de Cristo (cf. Jo 19,25-27), o ato de “consagração” é, de fato, reconhecimento consciente do lugar especial que Maria de Nazaré ocupa no mistério de Cristo e da Igreja, do valor exemplar e universal do seu testemunho evangélico, da confiança em sua intercessão e na eficácia de sua proteção, da múltipla função materna que ela exerce, como verdadeira mãe na ordem da graça, em favor de todos e de cada um de seus filhos. Entretanto, nota-se que o termo “consagração” é usado com certa amplidão e impropriedade. Por exemplo, diz-se ‘consagrar as crianças a Nossa Senhora’, quando na realidade se entende apenas colocar os pequenos sob a proteção da Virgem e pedir para eles a sua materna bênção. Compreende-se também a sugestão de utilizar, no lugar de “consagração”, outros termos, tais como “entrega”, “doação”.
De fato, em nosso tempo, os progressos realizados pela teologia litúrgica e a consequente exigência de um uso rigoroso dos termos, sugerem que se reserve o termo consagração à oferta de si mesmo que tem como meta Deus, como características, a totalidade e a perpetuidade, como garantia, a intervenção da Igreja, como fundamentos, os sacramentos do batismo e da confirmação” (n. 204). Fazemos votos que esta terminologia também mude no Santuário Nacional de Aparecida em que os devotos são solenemente confiados ou entregues a Maria, padroeira e rainha do povo brasileiro.
Fonte: Franciscanos – Especial Gotas de Liturgia /Frei Alberto Beckhäuser