Compaixão cura

Foto de Jem Sahagun em Unsplash

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB

 

A compaixão é um forro divino no coração humano capaz de tornar a interioridade uma tenda alargada. Sem a compaixão o coração se estreita e passa a hospedar o que adoece. Embora a doença seja um componente da experiência humana, a cura torna-se mais difícil sem a compaixão. Eis algumas lições do Papa Francisco, em mensagem pelo Dia Mundial do Doente. Lições pertinentes e fortes, particularmente neste contexto da história tão fragilizado por muitos adoecimentos. Não se pode correr o risco de camuflar o enorme desafio dessa fragilidade, muitas vezes experimentada na própria pele. Cabe, assim, enfrentar com humildade a doença, valendo-se de eficazes remédios: a proximidade, a ternura e a compaixão.  

É preciso cultivar a humildade para superar processos de disputa e confrontos. Exercitar a compaixão no próprio coração, capacitando-se para o cuidado de si e do semelhante. Deus é esse amor cuidadoso. Ele oferece o seu zelo sem nada pedir em troca. Cada um de seus filhos e filhas precisa seguir o seu exemplo, buscando amorosamente cuidar uns dos outros, para, assim, despertar um essencial sentido de cura, ajudando a vencer desencontros, doenças e fragilidades tão comuns à condição humana. Compreende-se que crer autenticamente significa abrir-se à aprendizagem da solicitude de Deus dedicada à humanidade. Solicitude não é resposta a um favor recebido ou a um “mimo” partilhado. O Papa Francisco sublinha o quanto é primordial aprender com Deus o significado de caminhar juntos e não se deixar contagiar pela “cultura do descarte”, nem tampouco medir a oferta da solicitude pelos critérios das afinidades e da concordância ideológica.  

A compaixão ultrapassa as medidas das afinidades. Faz valer a inegociável relevância de cada pessoa, exigindo uma consideração de que o próximo, irmão e irmã, não pode ser descartado, pois é merecedor de cuidados e de incondicional respeito. Não há outro modo para enfrentar o isolamento que faz tão mal ao coração humano. Por isso mesmo, posturas que negam a vivência da fraternidade merecem análise e advertência. O ser humano não pode ser pautado pelo que se opõe à fraternidade, com julgamentos motivados pelo desejo de vingança, por uma incapacidade em perdoar e enxergar que todos são irmãos e irmãs uns dos outros. Seus juízos podem até parecer coerentes com a realidade, mas estão na contramão do que é verdadeiro, constituindo um risco tirânico e perverso para o bem comum.  

O Papa Francisco, em sua mensagem, sublinha o quanto é importante reconhecer o abandono enfrentado por muitas pessoas. E indica a importância de se prestar atenção ao sentido central do movimento interior da compaixão, fazendo brotar a atitude única e incomparável da solicitude, mesmo nas situações em que o necessitado é um desconhecido, ou até mesmo um adversário. Nesse horizonte é sempre oportuno retomar a lição interpelante do Samaritano. Ele disponibiliza tudo o que possui e recomenda: “Trate bem dele”. Reconhece-se que a compaixão é exigência quando se toma consciência da vulnerabilidade humana.  

Importante também é a advertência para não se cometer a covardia de abandonar quem precisa, aprendendo a não se deixar envolver por mágoas.  Somente a compaixão, em qualquer circunstância, tem propriedades para tratar o outro como irmão. Sem um coração compassivo, perde-se a paz com Deus, pois há uma incapacitação para o relacionamento fraterno. Há de se cuidar para que critérios e juízos contaminados por mágoas e disputas não definam a consideração pelo outro. Ao faltar a compaixão dá-se lugar a escolhas comprometidas, reações injustificadas, que obscurecem o luminoso reconhecimento da sacralidade de cada pessoa – filho e filha de Deus. 

O primeiro passo para revestir a própria interioridade com o tecido da compaixão é sempre ser grato. Esquecida e não praticada a gratidão, deixa-se de alcançar a conquista espiritual da compaixão.  Bem diz o Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti: a parábola do Bom Samaritano mostra como se pode refazer uma comunidade. Cada pessoa contribui para fazer surgir essa comunidade renovada quando assume as dores do próximo como se fossem as suas próprias dores. Vale, pois, ser eterno aprendiz da compaixão para dissipar ódios e restaurar inteirezas, levando a cura ao próximo e ao próprio coração adoecido.   

Fonte: CNBB

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