Como conquistar a liberdade

Imagem: foto de Grant Ritchie em Unsplash

Para ser “capaz”

No texto «Liberdade: I», mencionavam-se três doenças da liberdade:

1) A falta de conhecimento, de lucidez. Pensamos mal e, por isso, escolhemos mal (Ver «Liberdade: II»).

2) Mesmo pensando bem, quando chega a hora de “fazer o que queremos” (o que é bom, o que verdadeiramente nos vai realizar), não “podemos”, devido à nossa fraqueza, às amarras do egoísmo que nos escravizam (Ver «Liberdade: III»).

3) Em terceiro lugar, pode suceder que, mesmo tendo começado a fazer o que decidimos livremente, porque é bom, porque é mesmo o melhor, não sejamos capazes de chegar até ao final, porque nos faltam as forças necessárias.

Vamos agora meditar sobre essa terceira doença da liberdade: a falta de perseverança. Começaremos, para isso, com um comentário, cheio de admiração, que talvez nos escape, às vezes, ao falar sobre uma pessoa que muito admiramos:

– Que maravilha, Fulano, é genial! Ele tem um domínio! Ele faz o que quer!

É um tipo de comentário que é fácil ouvir quando conversamos sobre a apresentação de um artista excepcional: músico, ator, cantor…, ou de um jogador de futebol fora de série.

Pensemos agora, por exemplo, num grande pianista. Começa a interpretar uma peça de Mozart, e os seus dedos voam, deslizam, dançam, correm, acariciam as teclas, desenvolvem movimentos quase angélicos por cima do teclado, dando uma sensação de facilidade absoluta. Realmente, esse pianista faz o que quer, domina, com absoluta liberdade, segurança, arte e graça, o instrumento musical.

Deve possuir, sem dúvida, a faísca do gênio. Com certeza, está dotado de uma sensibilidade especial para a música, tem uma facilidade particular para captar-lhe os segredos. Mas todas essas predisposições naturais de nada lhe serviriam se não tivesse dedicado, ao longo de anos sem fim – com um preparo duro e infatigável -, horas e mais horas ao estudo da música, ao aprendizado, aos exercícios de solfejo, de piano, ao aprimoramento constante da sua arte. O esforço deu-lhe a facilidade de um hábito adquirido, e esse hábito bom – que continua cultivando sem parar – dá-lhe a liberdade de tocar “como quer”. É um “virtuose” (palavra muito sugestiva do que diremos a seguir).

Do piano às virtudes

Algo de semelhante acontece com a nossa conduta. Somente nos tornamos capazes de fazer livremente o bem que desejaríamos quando – além de pedir a ajuda de Deus – vamos adquirindo os hábitos bons que se chamam virtudes – as virtudes humanas – mediante o esforço, o exercício voluntário e constante: tentando, insistindo, aprendendo, corrigindo.

«A virtude – lemos no Catecismo da Igreja Católica – é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só praticar atos bons, mas dar o melhor de si mesma […]. Pessoa virtuosa é aquela que livremente pratica o bem» (nn. 1803-1804).

Quantas vezes muitos de nós, ao admirarmos as virtudes dos outros, não comentamos, com um suspiro de tristeza: “Eu não seria capaz!” Louvamos, por exemplo, a alegria e a serenidade e otimismo com que um pai, que passa por uma grave tribulação profissional, se comporta com a família; ou elogiamos a paciência de uma mãe; ou a abnegação de um rapaz órfão de pai, que estuda à noite, trabalha o dia inteiro e carrega sem protestos todo o peso familiar. “Eu não seria capaz!”

Por que não seríamos capazes? Não é, certamente, por falta de condições básicas. Para sermos um pianista exímio, um grande ator, um pintor excepcional ou o melhor futebolista do mundo, sim, seria preciso que estivéssemos dotados, que tivéssemos condições especiais. Mas, para adquirirmos as virtudes (prudência, sinceridade, coragem, paciência, perseverança, amizade, ordem, fortaleza, sobriedade, castidade, mansidão, etc., etc.), basta-nos ser humanos.

Quem é um ser humano e, portanto, tem alma, possui a inteligência e a vontade: só com isso, já está dotado das condições básicas suficientes para adquirir todas as virtudes humanas. Algumas delas poderão custar-lhe mais do que a outras pessoas, mas nenhuma cairá fora das suas possibilidades. E, se quiser, ajudado pela graça divina, acabará por conquistá-las. E, então, tornar-se-á capaz.

Não vemos, com isso, a importância da educação nas virtudes, do aprendizado das virtudes, do exercício das virtudes? É um fato lamentável que hoje, à diferença de outras épocas, pouca importância se dá, nos lares e na escola, à formação das virtudes. Parece que basta fornecer uma educação que capacite para exercer uma profissão e ganhar dinheiro. E a personalidade de muitos jovens vai ficando assim imatura e informe – não formada -, justamente porque lhes falta o que forja o caráter: as virtudes.

Chega, depois, o momento da luta pela vida, a hora de constituir uma família e de levar avante as responsabilidades profissionais e sociais, e aquele rapaz ou aquela moça, mesmo tendo um expediente universitário brilhante, encontram-se perante a “ciência da vida” como analfabetos, como combatentes desarmados. Não podem, não conseguem, não são capazes de suportar os sacrifícios e os sofrimentos normais da vida; de dar a volta por cima dos fracassos; de conviver e de colaborar no trabalho com pessoas difíceis… Não “podem” porque tudo isso só se consegue com as virtudes; e eles, ou não as têm, infelizmente, ou as têm tão fracas que se esfarelam ao primeiro choque.

A luta pelas virtudes

Convençamo-nos de que, sem as virtudes, estamos condenados a ser os náufragos da vida, que tentam sustentar-se nas águas do mundo e avançar rumo à terra firme sem jamais consegui-lo. As pessoas afundam-se quando lhes falta esse domínio, essa autêntica liberdade, que só as virtudes podem dar.

É muito importante, por isso, compreender que as virtudes, como ensina o Catecismo da Igreja Católica, só se adquirem «pela educação, por atos deliberados e por uma perseverança retomada com esforço» (n. 1810).

Não vamos entrar agora aqui numa reflexão detalhada sobre as virtudes, mas poderá ser útil que façamos um bom exame de consciência sobre três pontos:

1) Procuro educar-me nas virtudes humanas e cristãs? Sei o que são e como se deve lutar – passo a passo – para consegui-las? Faço leituras que me proporcionem as ideias e a formação necessária para isso? Detecto claramente os meus defeitos, as minhas falhas na prática das virtudes? Procuro aconselhamento espiritual que me ajude a “ver” e “lutar”?

2) Proponho-me, com atos deliberados – ou seja, com resoluções concretas, definidas, conscientes – realizar todos os dias algum esforço para conseguir ou para melhorar alguma virtude? Faço um exame do dia, antes de dormir, para ver como lutei, como tentei levar à prática as minhas resoluções, e programar uma retomada da luta para o dia seguinte?

3) Apesar das dificuldades que possam surgir, persevero nesse esforço de conquista e cultivo das virtudes humanas e cristãs, sem me cansar, sem desistir, sem desanimar, procurando apoio e forças em Deus – na oração, na Confissão, na Comunhão -, sabendo que Ele está sempre disposto a me ajudar, a lutar comigo?

Este é o caminho dos autênticos. Diria – ainda que seja redundância -, dos verdadeiros autênticos. Sem isso, a nossa liberdade não passa de teoria, de palavra vazia. E Deus nos chama para um grande ideal, não para uma “conversa fiada”.

Fonte: Padre Francisco Faus – adaptação de um trecho do livro Autenticidade & Cia

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