Janeth Zurita, a chilena que em 2018 falou diante do Papa no cárcere feminino de Santiago, está no décimo ano de uma condenação de 15 por tráfico de drogas. Todavia, olha com esperança para o futuro depois da conversão. Foi fundamental para o seu caminho de reabilitação a ajuda de uma irmã
“Se eu não tivesse sido presa, não teria tido a oportunidade de estudar”. A frase de Janeth Zurita é paradoxal, porque no Chile cumprir a pena de detenção geralmente leva mais à exclusão social do que facilita a reinserção dos que violaram a lei. Mas isso não aconteceu com esta mulher de 37 anos que está presa há quase dez anos, e há três anos prepara-se para uma carreira profissional na área de Estética e Beleza. Contra todas as previsões e tendências, está conseguindo sair da injustiça, da pobreza e da delinquência, com seu próprio esforço e, segundo seu testemunho, com a clara intervenção de Deus.
Mesmo se quase a metade das mulheres que cumprem a pena nas prisões no Chile, por falta de oportunidade, voltam a cair na rede do crime, enquanto que “Zurita” – como é chamada pelas companheiras – segue firme no seu caminho de reabilitação. A dureza da sua vida, marcada pela precariedade material e pelo ambiente social, não permite que a amargura se acomode no seu coração, ao contrário, é uma pessoa que transmite uma forte energia vital, que se propaga todas as vezes que compartilha o seu testemunho ao ir além, sempre marcada pela fé e pelo otimismo. Isso foi evidente para o Santo Padre e para milhares de pessoas que acompanharam a histórica visita do Papa Francisco em um cárcere feminino quando estava no Chile. Foi na terça-feira, 16 de janeiro de 2018, quando Janeth falou em nome de suas companheiras de prisão diante do Papa Francisco.
A partir daquele momento, a vida de Zurita mudou. Hoje está pronta para deixar definitivamente o cárcere de cabeça erguida, com um título profissional debaixo do braço, depois de ter resolvido a relação com o filho, que teve que abandonar quando foi vítima do tráfico de drogas.
Ferida desde o berço
Janeth era apenas uma menina quando seu pai foi preso no início dos anos 80 depois de ter participado de um assalto: “Ia sempre visitá-lo na prisão”, conta a jovem que nasceu em um dos bairros mais pobres da capital chilena. É a mais velha de quatro irmãos e cresce sob os cuidados dos avós, enquanto sua mãe trabalhava como vendedora ambulante nas ruas do centro de Santiago. Um trabalho muito instável e arriscado porque sendo ilegal, deve sempre se submeter aos controles da polícia, e muitas vezes foi detida e perdia todas as suas mercadorias. Isso aconteceu em várias ocasiões como no triste Reveillon que Janeth recorda com particular tristeza, quando sua mãe não voltou para casa porque tinha sido presa.
Apesar das adversidades, Janeth conseguiu completar seus estudos básicos, enquanto seu pai terminava de descontar uma pena de 18 anos. Naturalmente, depois do ensino básico não havia mais horizontes para ela. “Como podíamos ter sucesso se não tinha dinheiro para pagar os estudos?”, explica, acrescentando que ainda hoje este é o destino mais comum de milhares de jovens chilenos descartados e sem possibilidade de melhoramento da própria condição de vida. Todavia, quando seu pai voltou para casa, trouxe um pouco de ajuda financeira e de alívio, mesmo por um breve período de tempo. Quando Janeth tinha 22 anos, seu pai foi assassinado e, além da dor, a família teve que enfrentar uma nova fase de extrema precariedade.
“Queria que meus irmãos menores não passassem fome, que tivessem tudo, que pudessem ir à universidade, que tivessem uma carreira”, diz Janeth contando o percurso que a levou a entrar em contato com o mundo do crime. Sabe que as suas boas intenções não justificam o caminho errado que tomou: o tráfico de drogas. Este crime, afirma, é a causa mais comum das mulheres presas nos cárceres chilenos. “Naturalmente é um péssimo modo de sair da pobreza, porque infelizmente todos pensam que vão conseguir, e erram!! Eu errei!” admite sem rodeios.
Zurita nunca vendeu droga nas ruas, portanto não teve contato com compradores e menos ainda com consumidores. Mas coordenava uma rede de distribuição e fez isso por cinco anos, até que em 2010 foi presa e condenada a 15 anos de cárcere. Assim começou o período mais difícil e obscuro da sua vida, mas também o que lhe apresentou os desafios que poderiam mudar o seu destino.
Na época tinha 27 anos e seu filho ainda não tinha completado dois anos. A separação da criança, mesmo se deveria ter ficado com ela, são as dores e a angústia maiores que leva consigo na cela da prisão feminina de Santiago. Foi um sofrimento grande que a fez entender o que o Papa diria anos depois, isto é, que “as crianças são as que mais sofrem quando são separadas das mães, quando não há mais a mãe que cuida deles, que cuida dos seus sonhos, que lhes dá amor e os cuidados de que necessitam. Porque nada e ninguém substitui uma mãe”.
Da consciência do dano à conversão
Janeth confessa que os primeiros três anos de prisão passaram de modo muito passivo. Não aceitava fazer nenhum trabalho a pagamento oferecido pela estrutura. Satisfazia-se com a ajuda financeira que recebia de fora e com a qual pagava outras detentas para limparem sua cela. Não fazia nem isso.
Assim Janeth consegue fugir do trabalho, mas não da dura realidade das pessoas que compartilham com ela os longos dias de detenção. Somente quando se está dentro das grades que se conhece a histórias das pessoas que estão ali, os rostos e as dores das vítimas de toxicodependência. Muitas das suas mais de 600 companheiras na prisão conseguem receber drogas para consumir a qualquer preço. Até então não tinha se dado conta do desgaste físico, psicológico e humano dos que foram seus clientes no mundo do tráfico de drogas.
“Vi como estavam destruídas pelas drogas, passavam noites sem dormir, dias sem comer, perdendo peso, a partir daquele momento tive um ‘click’ e vi o quanto se causa destruição vendendo drogas e disse a mim mesma que não podia ir adiante deste modo. O medo que meu filho pudesse cair no mundo das drogas, foi o que me fez cair com os pés no chão e me acordar”, confessa tristemente.
Janeth começa a acompanhar as mulheres que sofrem pelos efeitos das drogas dentro da prisão. Cuida para que não cheguem a gestos extremos pela ânsia durante as crises de abstinência usando facas, ou se enforcando. É o seu modo de se reparar dos danos cometidos, por ter compaixão pelo sofrimento dos que compartilham com ela o mesmo destino e é por isso que sublinha como, naqueles momentos, tenha buscado “sempre estar ao lado, apoiá-las, para que não se cortassem uma às outras, para que não fizessem este tipo de coisa, e aconselhando sempre para o futuro, para o bem, e explicando-lhes que aquilo não estava certo, que aquela não era a vida”.
O ambiente e as dinâmicas de desolação permanente fazem Zurita se sentir sempre mais “vazia”, a ponto de pedir a Deus porque agia assim com ela, punindo-a deste modo. Tentou encontrar respostas compartilhando seu estado de ânimo com as comunidades cristãs evangélicas que visitam o cárcere, pois era a mesma religião que professava em casa, mas não encontrou o que buscava. Somente quando uma das suas amigas a convidou para participar da Missa dominical, teve um encontro pessoal e significativo com o Senhor enquanto escuta a Palavra.
“Naquela Missa não conseguia parar de chorar, mesmo se nunca gostei de chorar na frente dos outros, porque na prisão coloca-se uma máscara de ferro para se parecer fortes. Todavia chorei e desabafei e senti Deus dentro de mim. E assim comecei a ir à Missa todos os domingos”. Janeth indica também Nelly Leon como uma das responsáveis por essa renovada experiência de fé.
Irmã Nelly, ou “Madre” como Janeth a chama, é uma religiosa da Congregação do Bom Pastor que consagrou sua vida a abrir horizontes às mulheres que estão na prisão e às que precisam ser recolocadas na sociedade depois da prisão. Irmã Nelly conseguiu para Zurita o primeiro trabalho com retribuição dentro do cárcere: a limpeza da capela, um local para 250 pessoas que deveria ficar impecável para os serviços litúrgicos e os encontros comunitários.
O seu trabalho escrupuloso valeu a confiança e o afeto da irmã, mas também a sua amizade e uma saudável cumplicidade. “Construímos uma amizade muito bonita. Sempre me apoiava quando eu atravessava períodos de tristeza”, explica com emoção Janeth quando fala desta autêntica mãe que ela e dezenas de detentas tiveram durante o período no cárcere. E foi essa religiosa que denunciou diante do Papa Francisco que “no Chile a pobreza está aprisionada”, condensando em uma frase já famosa as histórias de milhares de pessoas que ficam presas, simplesmente porque suas vidas – feridas pela exclusão social – não tiveram outro caminho.
“Mulheres, levantem”
O seu bom comportamento, os seus evidentes progressos nas responsabilidades e o seu espírito de auto-ajuda, iniciados três anos atrás, levaram Janeth a obter o benefício do regime semiaberto. Deste modo chegou em um centro chamado “Talita Kum”, onde foi morar com outras 50 mulheres que, como ela, trabalham e se preparam para se reintegrar a médio prazo na vida social. Este regime penitenciário permite sair todos os dias e também passar algumas noites com suas famílias em casa.
Desde então Zurita uniu seu trabalho de limpeza em uma indústria aos estudos em um importante centro de formação profissional. Ali espera se formar em 2020 como especialista em estética e beleza. Título que lhe qualifica, entre outras coisas, em cosmetologia, manicure, massagem e cabeleireira. “Sinto que Deus está planificando tudo com os meus estudos. Colocou todos os anjos no meu caminho e abriu as portas”, disse Janeth quando conta os esforços que teve que fazer para conseguir os materiais para seus estudos profissionais.
As despesas do instituto foram em grande parte financiadas graças ao apoio da Fundação “Mujer levantate” (“Mulheres, levantem”), uma obra social criada pela Irmã Nelly para acompanhar a reinserção social das ex-presidiárias. A irmã lançou esta missão quando viu que quase 50% das mulheres que saíam da prisão caíam novamente nas mãos dos criminosos e voltavam ao cárcere. Este número desceu drasticamente a 9% entre as que receberam apoio social, psicológico, espiritual e econômico da Fundação por ela criada.
Frente a frente com o Papa
Foi quase unânime o desejo das mulheres do Centro penitenciário feminino de Santiago de serem representadas por Janeth Zurita durante a visita do Santo Padre. Ela, cuja vida é testemunho de conversão e de superação, teve a capacidade de transmitir ao Papa Francisco o que é o drama de cumprir uma pena, principalmente para as mulheres com filhos pequenos.
“Pedimos perdão aos que foram feridos pelos nossos crimes”, disse com força Janeth diante do Pontífice, que a escutou com atenção. “Sabemos que Deus nos perdoa, mas pedimos perdão também à sociedade. Pedimos perdão”. As suas palavras ressoam com força e encontram eco até mesmo nas autoridades chilenas que, poucos dias depois da visita do Papa concedem a liberdade às mulheres que já cumpriram metade da pena e têm filhos menores de três anos.
Papa Francisco abraçou Janeth depois do seu discurso. Um abraço que incluiu também as 400 mulheres presentes, “privadas da liberdade, mas não da dignidade”, como sublinhou o próprio Pontífice. “Para mim pessoalmente foi um grande impacto no coração, na alma. Ficou marcado o fato de ter tido o Papa ao meu lado, de o ter abraçado, de ter ouvido suas palavras, tudo o que me disse. Foi um grande impacto também para a minha família” disse Janeth.
Desde então, continuou seu caminho de cura pessoal com maior audácia, porque tem consciência que deve reparar o dano que causou. Por isso, por exemplo, oferece em muitas ocasiões testemunhos para prevenir tanto o consumo como o tráfico de drogas. Além disso, dedica-se com responsabilidade aos seus estudos e trabalho. Mas principalmente aproveita todos os momentos para recuperar o tempo que passou longe do seu filho e para reforçar o relacionamento com ele que completou 12 anos e que vê todos os domingos, porque já obteve o benefício das saídas dominicais. Janeth disse que quando ele pôde entender explicou-lhe os erros que tinha feito e que pagava as consequências. Mas também disse que o amor por ele é a sua principal motivação a perseverar, que ela faz tudo que ele não se sinta perdido.
Este ano Zurita poderá obter a libedade vigiada, isto é, sair da prisão cinco anos antes do previsto. Obviamente é algo que espera, mas espera pacientemente, certa de ter recebido ajuda divina. “Deus fez tudo para que eu mudasse, quer que eu seja outra pessoa, por isso digo que sou Janeth ‘Abençoada’, porque Deus me dá todas essas bênçãos, são mensagens que Deus me mandou para me demonstrar que este é o meu caminho. Sinto que Deus está me preparando algo muito bom, algo melhor”, conclui com uma voz que transmite profunda gratidão e grande esperança.
Fonte: Vatican News – por Felipe Herrera-Espaliat