“Celebrar o Dia da Amazônia: como?” – por Dom Cláudio Hummes

No próximo domingo, 5 de setembro, será celebrado o Dia da Amazônia. Por essa ocasião, o arcebispo emérito de São Paulo (SP) e presidente da Comissão Episcopal Especial para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Cláudio Hummes, escreveu um artigo sobre como celebrar a data. A indicação é dar atenção à destruição atual da região e realizar “pequenos gestos simbólicos”.

O convite à atenção é um contraponto à indiferença destacada por Elie Wiesel, sobrevivente judeu dos campos de concentração nazistas, como “a raiz de todo mal”.

“É ela [a indiferença], e não a morte, que se opõe à vida. É ela, e não a heresia, que se opõe à fé. É por isso que precisamos celebrar o dia da Amazônia, embora ela esteja, talvez mais do que nunca, em sua hora de cruz”, destaca dom Cláudio.

Não ser indiferente, portanto, “exige de cada pessoa certo compromisso”, pois a “crucificação da Amazônia desencadeia sofrimento para muitos filhos e filhas de Deus”, como os indígenas e os ribeirinhos.

Gestos simbólicos
Soma-se à atenção ao cenário de destruições, com “olhar objetivo”, um engajamento “na luta pela preservação e no cuidado com a Amazônia e com a Casa Comum”. Dom Cláudio também convida aos pequenos gestos simbólicos, “como plantar uma árvore, revitalizar o jardim de casa ou buscar informações sobre como e onde são produzidos os alimentos que compartilhamos nas mesas de nossas casas”.

Confira o texto na íntegra abaixo.

Dia da Amazônia

A data está ligada à instituição da Província da Amazônia, em 1850, por Dom Pedro II. É ocasião para refletir sobre a importância do bioma amazônico e a necessidade de sua preservação.

Celebrar o dia da Amazônia: como?

Celebrar é uma das práticas que constituem o ser cristão. E a maior e mais importante das celebrações do cristianismo é, sem sombra de dúvidas, o tríduo que festeja, anualmente, a Páscoa do Senhor. Nele estão inclusos a festa da Ceia, a dor, o silêncio da Morte e o anúncio da Ressurreição. Ter presente que somos habituados a celebrar também a paixão, pode carregar de sentido a celebração do dia da Amazônia, neste cinco de setembro de 2021. Afinal, o desastre ambiental que alcança dimensões absurdas não pode, neste momento, ser interpretado, senão, como morte, paixão.

Gregório de Nazianzo, um santo que foi bispo em Constantinopla no século IV, certa vez, afirmou que aquilo que não fosse assumido por Cristo em sua encarnação, não poderia ser salvo. Em sentido similar, a psicologia entende que somente a partir do momento em que os problemas são encarados objetivamente é que se torna possível curá-los ou lidar com eles de maneira melhor. Celebrar significa tornar célebre, valorizar, destacar, dar importância. As exéquias são exemplos de celebrações por ocasião da morte e da dor. Estão a serviço da valorização do luto em vista de sua superação. É a celebração do mistério pascal de Cristo na esperança. Elie Wiesel, sobrevivente judeu dos campos de concentração nazistas e Nobel da paz em 1986, afirmou que a indiferença é a raiz de todo mal. Segundo ele, é a indiferença, e não ódio, que se opõe ao amor. É ela, e não a morte, que se opõe à vida. É ela, e não a heresia, que se opõe à fé. É por isso que precisamos celebrar o dia da Amazônia, embora ela esteja, talvez mais do que nunca, em sua hora de cruz.

Não ser indiferente exige de cada pessoa certo compromisso. Como já dissera o profeta Isaías (52,14.53,2), o que é feio causa repulsa aos olhos. Mas é preciso olhar. É preciso assumir a realidade histórica com o intuito de, em Cristo, remi-la. A Amazônia está ardendo em chamas por incêndios, muitos dos quais provocados intencionalmente, e pela falta de políticas públicas de combate, controle e mitigação das queimadas. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somente no mês de agosto foram registrados 2.228 focos de incêndio. Mais que o dobro em relação a 2020. A Amazônia está tombando sob o avanço do agronegócio, da mineração e do garimpo ilegal, e minguando aceleradamente em hectares de floresta em pé. Os projetos do chamado “desenvolvimento”, avançam sempre mais, especialmente com a fragilização da fiscalização ocorrida nos últimos anos e com o desmonte de órgãos e políticas de salvaguarda socioambientais. Mas, além disso, há um cataclismo anunciado. O recente relatório elaborado por 103 peritos de 52 países e divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) adverte que o aquecimento global, de cerca de 1,0º acima dos níveis pré-industriais, deverá chegar a 1,5º entre 2030 e 2052. O mesmo relatório já indica as possíveis consequências disso: desertificação de áreas agricultáveis, secas e fenômenos meteorológicos extremos que deverão, entre outras inúmeras implicações, afetar diretamente a produção alimentar.

É preciso, aliás, insistir nesse argumento. É lugar-comum dizer que é pelo estômago que se “toma” uma pessoa. De fato, basicamente, nossa vida depende, além de uma alimentação saudável, de água pura e ar limpo. No entanto, a produção de alimentos, que antes era chamada de agricultura, foi transformada em agronegócio. Saiu o cultivo e entrou o lucro. E em nome do lucro, envenenam os alimentos e, por conseguinte, a terra, as águas e os ares. Esse modelo de produção, além de desrespeitar a natureza, acaba produzindo fome e miséria. Criam-se imensos desertos verdes onde a monocultura impera e, ao final das contas, o que se produz não é mais alimento. Exemplo disso é o avanço exacerbado da soja sobre as matas e, agora, a alta do custo do óleo dela nos supermercados brasileiros. Isso, enquanto o grão é exportado a preço nunca antes alcançado e levando consigo nossa água, nossas florestas e toda a biodiversidade que morre com a chegada do agronegócio.

A crucificação da Amazônia desencadeia sofrimento para muitos filhos e filhas de Deus. Os povos indígenas estão sob o risco de perder o direito de posse aos seus territórios já tão invadidos. Aos ribeirinhos restam rios secando e águas poluídas pelos agrotóxicos e rejeitos da mineração. O papa Francisco já tinha dito: “o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto” (Laudato Si’, 48). E é preciso, neste dia da Amazônia, destacar e assumir tal degradação. Mas, não com pessimismo. Suassuna é quem dizia que, se o otimista é ingênuo, o pessimista é amargo. É preciso que sejamos realistas e esperançosos. Mesmo porque, nossa fé nos dá a certeza de que foi no meio da noite mais escura que a luz da ressurreição se impôs. Foi atravessando o deserto que nossos pais na fé chegaram à terra prometida. Há que se ter esperança, e há também que se enveredar na construção de modelos sustentáveis de produção, consumo e economia.

A celebração cristã se dá como memória e compromisso, mas também como profecia. Nela, passado, presente e futuro estão entrelaçados. Por isso, gostaria de fazer um convite. Especialmente, às pessoas e aos grupos que, atentos ao Evangelho e aos apelos do papa Francisco, preservam em seus corações a memória da Criação em toda a sua beleza primordial – que Deus viu que era boa. Celebremos este dia atentos à destruição atual. Esse olhar objetivo deve nos engajar na luta pela preservação e no cuidado com a Amazônia e com a Casa Comum. Por fim, convido a celebrá-lo realizando pequenos gestos simbólicos, como plantar uma árvore, revitalizar o jardim de casa ou buscar informações sobre como e onde são produzidos os alimentos que compartilhamos nas mesas de nossas casas. Não podemos nos esquecer de que Deus plantou um jardim e quis que ele fosse a casa da humanidade. Comprometidos e celebrando, poderemos afirmar com certeza que a querida Amazônia, vivendo, agora, a paixão, tão logo verá essa morte transformada em ressurreição.

Cardeal Dom Cláudio Hummes
Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia – CNBB

Fonte: CNBB

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