Cardeal Scherer: Quem ainda pensa em ser salvo?

Imagem: foto de Melani Marfeld em Pixabay

Podemos perguntar-nos, se isso ainda faz sentido em nossos dias? Quem ainda espera “ser salvo”? Salvo de quê, ou para quê? Estamos tão envolvidos por uma cultura de autossuficiência, que acabamos acreditando somente em nós mesmos e nas nossas possibilidades e capacidades, e nada além disso.

 

Por Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo/SP

A preparação para o Natal traz à nossa reflexão o tema da salvação, que é central para a nossa fé cristã. O 3º Domingo do Advento está marcado pela expectativa de celebrar “as alegrias da salvação” (Oração do dia). As palavras do profeta Isaías são um poema à alegria e esperança na salvação, que se aproxima para um povo marcado por várias desgraças: “alegre-se a terra desértica e intransitável (…), exulte de alegria e louvores (cf. Is 35,1-6.10). O Natal, de muitas maneiras, proclama e canta o nascimento de Jesus, nosso Salvador.

Podemos perguntar-nos, se isso ainda faz sentido em nossos dias? Quem ainda espera “ser salvo”? Salvo de quê, ou para quê? Estamos tão envolvidos por uma cultura de autossuficiência, que acabamos acreditando somente em nós mesmos e nas nossas possibilidades e capacidades, e nada além disso. Faz ainda sentido de falar em “salvação eterna” em nossos dias? Para quem vive mergulhado numa mentalidade materialista não faz nenhum sentido falar em salvação e esperar por uma salvação que vá além daquilo que o homem consegue assegurar para si mesmo neste mundo. Que pensam os cristãos sobre a salvação e o que esperam dela?

Entendemos a salvação em duas dimensões, inseparáveis: a salvação plena na vida eterna e a salvação já participada neste mundo. A salvação eterna é a participação plena da glória de Deus e a vida feliz, mediante o perdão e a misericórdia de Deus, com a superação de todos os males que atingem a condição humana neste mundo. Esta dimensão da salvação “escatológica”, a realizar-se após a vida neste mundo, é promessa firme de Deus e nos faz viver na esperança da redenção. Ela é obra do amor misericordioso de Deus, que chama todos a participarem dela. Basta acolher o amor de Deus nesta vida e corresponder com ele sinceramente. A vida humana neste mundo é animada, em última análise, por essa esperança, mesmo quando não se sabe disso. Nosso coração anseia por vida plena, e não apenas por alguma experiência de vida neste mundo. Buscamos a participação no banquete da vida, e não apenas do “aperitivo” desse banquete.

Porém, quando falamos de salvação, não nos referimos apenas à salvação eterna: a fé cristã, segundo o ensinamento de Jesus e da Igreja, nos oferece as alegrias da salvação já na vida presente. Mesmo não sendo plena neste mundo, a salvação já é participada nesta vida mediante a fé e a esperança e a acolhida do amor de Deus. São Paulo ensinou que já “somos salvos na esperança” (cf. Rm 8,24). Por isso, podemos alegrar-nos desde agora pelo dom da salvação prometida e participada. Os cristãos são pessoas marcadas pela esperança da salvação e pela certeza das promessas de Deus. Por isso, mesmo em meio às experiências de finitude, fragilidade, dor e angústia desta vida, não desanimam e sempre erguem de novo a cabeça, sabendo que não estão abandonados a si mesmos e podem confiar no amor e nas promessas de Deus salvador.

A esperança da salvação eterna, porém, não nos leva a ficar de braços cruzados, a olhar para o céu: “por que ficais aqui parados, olhando para o céu” (cf. At 1,9-11). Desde os primeiros dias do cristianismo, os cristãos estão conscientes de sua missão e devem se dedicar a ela todos os dias. A esperança cristã da salvação eterna nos engaja profundamente no anúncio e testemunho do Evangelho do reino de Deus a todos, para que os sinais da salvação já se tornem realidade neste mundo e em todas as dimensões do convívio social. A vida neste mundo precisa ser levada bem a sério para ter participação nos bens da salvação. É por aí que se compreende que a pregação da Igreja não seja apenas para “salvar as almas para o céu”. Mesmo que esse seja o objetivo final, este passa pela realização fiel da missão recebida de Jesus Cristo. O cristão que acolheu os dons da salvação não fica indiferente diante dos sofrimentos e angústias do próximo, nem das injustiças e desordens na vida social. Tudo isso também precisa participar da graça da salvação.

João Batista, ainda não tendo a certeza de que Jesus era o Ungido de Deus esperado, enviou mensageiros para lhe perguntar: “és tu o que deve vir, ou devemos esperar ainda outro?”. Jesus mandou relatar a João o que já estava acontecendo: “os cegos veem, os surdos ouvem, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” (cf. Mt 11,2-6). Eram os sinais de que o “dia da salvação”, prometido pelos profetas, já estava acontecendo. João Batista compreendeu e ficou feliz.

O Natal é a “festa da salvação”, que Deus já manifestou em Jesus para toda a humanidade. É o momento de acolher mais uma vez esse dom precioso na vida pessoal e social. A convivência social precisa ter parte na salvação. E nós, que cremos, somos anunciadores e testemunhas dessa boa notícia para o mundo.

Fonte: Vatican News

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