Primeira pregação do Advento: “Deus enviou o seu Filho para que todos recebêssemos a filiação adotiva”
O pregador da Casa Pontifícia, o frade capuchinho cardeal Raniero Cantalamessa, fez à Cúria Romana no final da manhã de sexta-feira (03/12), na Sala Paulo VI, no Vaticano, a Primeira Pregação do Advento, intitulada “Deus enviou o seu Filho para que todos recebêssemos a filiação adotiva”.
O religioso franciscano iniciou lembrando que na Quaresma passada, orientou-nos o dogma calcedoniano de Cristo verdadeiro homem, verdadeiro Deus, e uma pessoa. Agora – disse ele -, irá nos orientar um dos textos litúrgicos mais típicos do Advento, isto é, Gálatas 4,4-7. Assim afirma:
Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva. E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá – ó Pai! Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro: tudo isso, por graça de Deus.
Em sua brevidade, explicou Cantalamessa, este trecho é uma síntese de todo o mistério cristão. Está presente a Trindade: Deus Pai, o seu Filho e o Espírito Santo; está a encarnação: “Deus enviou o seu Filho”; tudo isso não em abstrato e fora do tempo, mas em uma história de salvação: “quando se completou o tempo”. Não falta nem mesmo a presença, discreta mas essencial, de Maria: “nascido de uma mulher”. Há, finalmente, o fruto disso tudo: homens e mulheres feitos filhos de Deus e templo do Espírito Santo.
Filhos de Deus
Na primeira meditação, o pregador da Casa Pontifícia ateve-se à primeira parte do texto: “Deus enviou o seu Filho, para que todos recebêssemos a filiação adotiva”. A paternidade de Deus – observou o frade capuchinho – está no próprio coração da pregação de Jesus.
“Também no Antigo Testamento Deus é visto como pai.” A novidade – ressaltou – é que agora Deus não é visto tanto como “pai do seu povo Israel”, em sentido coletivo, por assim dizer, mas como pai de cada ser humano, justo ou pecador que seja: portanto, em sentido individual e pessoal. Ele se preocupa com cada um como se fosse o único; de cada um, conhece as necessidades, os pensamentos e conta até mesmo os cabelos da cabeça.
Prosseguindo sua reflexão, o purpurado frisou que a novidade de Cristo consiste no fato de que Deus permanecendo o que era no Antigo Testamento, ou seja, três vezes santo, justo e onipotente, agora nos é dado como papai!
É esta a imagem fixada por Jesus no início do Pai nosso e que contém todo o resto: “Pai nosso que estais nos céus”: “que estais nos céus”, isto é, que sois altíssimo, transcendente, que estais distante de nós tanto quanto o céu da terra; mas “pai nosso”, melhor, no original “Abá!”, algo parecido como o nosso papai, meu pai, acrescentou.
A verdadeira novidade que mudará tudo
O pregador da Casa Pontifícia observou que se começa a entrever, na pregação de Jesus, a verdadeira novidade que mudará tudo:
Deus não é pai apenas em sentido metafórico e moral, enquanto criou e cuida do seu povo. É também – e antes de tudo – verdadeiro pai de um verdadeiro filho gerado “antes da aurora”, ou seja, antes do início do tempo, e será graças a este Filho único que os homens poderão se tornar também eles filhos de Deus em sentido real e não apenas metafórico.
Cantalamessa ressaltou que para expressar a plenitude deste mistério é preciso considerar que “Deus não nos transmite apenas o nome de filhos, mas também a sua vida íntima, o seu Espírito, que é, por assim dizer, o seu DNA. Pelo batismo, em nós corre a mesma vida de Deus.”
Sobre este ponto, prosseguiu, o evangelista João afirma que aqueles que acreditaram em Cristo “nasceram de Deus mesmo” (Jo 1,13); no batismo se realiza um nascimento “do Espírito”, se “renasce do alto” (cf. Jo 3,5-6).
Da fé ao estupor
Até aqui, disse o frade capuchinho, as verdades da nossa fé. Não é sobre elas, porém, que eu gostaria de me deter, frisou. Qual é, então, a coisa diversa que propomos com esta reflexão? – interpelou.
Para descobri-la, parto de uma frase do nosso Santo Padre na catequese sobre a Carta aos Gálatas, da audiência de 8 de setembro passado. Após ter citado o nosso texto sobre a adoção a filhos, ele acrescentava:
“Nós, cristãos, damos frequentemente por certa esta realidade de ser filhos de Deus. Ao contrário, é bom recordar sempre com gratidão o momento em que nos tornamos tais, o do nosso batismo, para viver com maior consciência o grande dom recebido.”
Se nós estamos aqui meditando sobre isso, quer dizer que já cremos, que em nós a fé se somou ao sacramento. Portanto, o que ainda nos falta? “Falta-nos a fé-estupor”. O pregador da Casa Pontifícia teceu mais algumas considerações para enfatizar que é preciso fazer esse salto de qualidade da fé ao estupor de nos entendermos como filhos de Deus.
A fraternidade universal: todos irmãos uns dos outros
Cantalamessa ressaltou ainda que além da tomada de consciência da própria dignidade oriunda do ser filho de Deus, outro resultado, ainda mais importante, é que você toma consciência da dignidade dos demais, também eles filhos e filhas de Deus.
Para nós, cristãos – disse -, a fraternidade humana tem a sua razão última no fato de que Deus é pai de todos, que todos somos filhos e filhas de Deus e, por isso, irmãos e irmãs uns dos outros.
São Cipriano dizia: “Não pode ter Deus como pai quem não tem a Igreja como mãe”. Devemos acrescentar: “Não pode ter Deus por pai quem não tem o próximo como irmão”.
Fonte: Vatican News