“E vós, quem dizeis que eu sou? Jesus Cristo, verdadeiro Deus” foi o tema da terceira meditação da Quaresma do pregador da Casa Pontifícia, o cardeal Raniero Cantalamessa, na Sala Paulo VI, no Vaticano, aos membros da Cúria Romana.
O cardeal inicia recordando o tema e o espírito das meditações quaresmais deste ano: “Propusemo-nos em reagir à tendência difundidíssima de falar da Igreja “etsi Christus non daretur”, como se Cristo não existisse, como se fosse possível entender tudo dela, prescindindo dele. Propusemo-nos, porém, em reagir a isso de um modo diverso do habitual: não buscando convencer o mundo e seus meios de comunicação de erro, mas renovando e intensificando a nossa fé em Cristo. Não em chave apologética, mas espiritual. Para falar de Cristo – continua o cardeal – escolhemos a via mais segura, que é a do dogma: Cristo verdadeiro homem, Cristo verdadeiro Deus, Cristo uma só pessoa. Aquela do dogma é uma via por nada velha e ultrapassada. “Despertar os dogmas”, afirma frei Cantalamessa. “Na vez passada, buscamos fazer isso, em relação ao dogma de Jesus ‘verdadeiro homem’; hoje, queremos fazê-lo com o dogma de Cristo ‘verdadeiro Deus’”.
O dogma de Cristo “verdadeiro Deus”
“Em 111 ou 112 depois de Cristo, segundo historiadores “os cristãos proclamam já no canto a divindade de Cristo! A fé na divindade de Cristo nasce com o nascer da Igreja”. O cardeal faz brevemente uma reconstrução da história do dogma da divindade de Cristo: “Ele foi sancionado solenemente no Concílio de Niceia de 325, com as palavras que repetimos no Credo: ‘Creio em um só Senhor, Jesus Cristo… Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai’. Para além dos termos usados, o sentido profundo da definição de Niceia era que, em toda língua e em toda época, Cristo deve ser reconhecido como Deus no sentido mais forte e mais alto que a palavra ‘Deus’ tem em determinada língua e cultura, e não em qualquer outro sentido derivado e secundário”.
Cristo “verdadeiro Deus” nos Evangelhos
“Mas agora, devemos ter fé em nosso intuito”, explica o cardeal depois de recordar que no decorrer dos séculos muito se refletiu e modificou em relação à Niceia. “Por isso – continua – deixemos de lado o que pensa o mundo e busquemos despertar em nós a fé na divindade de Cristo. Uma fé luminosa, não desfocada, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, isto é, não só crida, mas também vivida”. E para isso sugere: “Partamos justamente dos evangelhos. Nos sinóticos, a divindade de Cristo jamais é declarada abertamente, mas é continuamente subentendida. Recordemos algumas frases de Jesus: ‘O Filho do Homem tem, na terra, autoridade para perdoar pecados’ (Mt 9,6); ‘Ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho’ (Mt 11,27). (…) Quem, a não ser Deus, pode perdoar os pecados em nome próprio e se proclamar juiz final da humanidade e da história?”. E afirma: “Assim como basta um fio de cabelo ou uma gota de saliva para reconstruir o DNA de uma pessoa, assim, basta apenas uma linha do Evangelho, lida sem preconceitos, para reconstruir o DNA de Jesus, para descobrir o que ele pensava de si mesmo, mas não podia dizer abertamente para não ser incompreendido.
“Corde creditur: crê-se com o coração”
“Assim como para a humanidade, também a propósito da divindade de Cristo, agora podemos mostrar como o antigo dogma, objetivo e ontológico, é capaz de acolher e valorizar o dado moderno subjetivo e funcional” enquanto que ”o contrário foi um tanto difícil”. “A razão do insucesso é explicada por Jesus e foi bem compreendida por João, que a expõe: “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu” (Jo 3,13)”.
“Devemos recriar as condições para uma retomada da fé na divindade de Cristo. Reproduzir o impulso de fé do qual nasceu o dogma de Niceia. O corpo da Igreja outrora produziu um esforço supremo, com o qual se ergueu, na fé, acima de todos os sistemas humanos e de todas as resistências da razão. A maré da fé uma vez subiu a um nível máximo e sua marca permaneceu na rocha. No entanto, é preciso que se repita a subida, não basta a marca. Não basta repetir o Credo de Niceia; é preciso renovar o impulso de fé que então se teve na divindade de Cristo e do qual não houve igual nos séculos.Concluindo este ponto o pregador insiste: “A divindade de Cristo é o cume mais alto, o Evereste da fé. Crer em um Deus nascido em um estábulo e morto em uma cruz! Isto é muito mais exigente do que crer em um Deus distante, que cada um pode representar ao próprio gosto”.
Ecumenismo e evangelização
“O que evidenciamos tem importantes consequências também para o ecumenismo cristão. Existem, de fato, dois ecumenismos possíveis: o da fé e o da incredulidade; um que reúne todos aqueles que creem que Jesus é o Filho de Deus e que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, e um que reúne todos aqueles que se limitam a “interpretar” (cada um à própria maneira e segundo o próprio sistema filosófico) estas coisas. Um ecumenismo no qual, no máximo, todos creem as mesmas coisas porque ninguém crê mais realmente em nada, no sentido forte da palavra “crer”. E explica: “A distinção fundamental dos espíritos, no âmbito da fé, não é a que distingue entre católicos, ortodoxos e protestantes, mas a que distingue aqueles que creem no Cristo Filho de Deus e aqueles que não creem”
“A fé na divindade é importante sobretudo em vista da evangelização. Existem edifícios ou estruturas metálicas feitas de forma que, se você tocar em um determinado ponto ou levantar uma determinada pedra, tudo desmorona. Assim é o edifício da fé cristã, e esta sua “pedra angular” é a divindade de Cristo. Removida esta, tudo se desagrega e desmorona, começando pela fé na Trindade. De quem se forma a Trindade, Cristo não é Deus? Não por nada, basta se por entre parênteses a divindade de Cristo, que se põe entre parênteses também a Trindade”.
“Santo Agostinho dizia – continua Cantalamessa – ‘a fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo’. A mesma coisa se deve dizer da humanidade e divindade de Cristo, cujas morte e ressurreição são as respectivas manifestações. Todos creem que Jesus seja homem; o que faz a diversidade entre crentes e não crentes é crer que ele também seja Deus. A fé dos cristãos é a divindade de Cristo!”.
“Conhecer Cristo é reconhecer os seus benefícios”
“Conhecer Cristo é reconhecer os seus benefícios”, nós ouvimos. Concluamos justamente recordando dois destes benefícios, que são os mais capazes de responder às necessidades profundas do homem de hoje e de sempre: a necessidade de sentido e a necessidade de vida. Não é verdade que o homem moderno deixou de se propor a questão sobre o sentido da vida”.
E segue o tema especificando, “claro, não se interroga sobre o sentido último da vida quem se prestou a outras coisas… Mas, quando estas vão desaparecendo – juventude, saúde, fama – muitos voltam a se propor aquela pergunta. Fazem-na ainda mais neste tempo de pandemia em que, fechados frequentemente em casa, homens e mulheres finalmente têm tido o tempo de refletir e se interrogar”. E faz uma importante afirmação: “Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não caminha na escuridão” (Jo 8,12). Quem crê em Cristo, tem a possibilidade de resistir à grande tentação da falta de sentido da vida, que frequentemente leva ao suicídio”.
Por fim frei Cantalemassa pondera: “Jesus também disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha orrido, viverá” (Jo 11,25). E o evangelista, mais tarde, escreverá aos cristãos: “Eu vos escrevo estas coisas, a vós que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna (…). Ele é o verdadeiro Deus e a Vida eterna” (1Jo 5,13.20). justamente porque Cristo é “verdadeiro Deus”, é também “vida eterna” e dá a vida eterna. Isto não nos tira necessariamente o medo da morte, mas dá ao fiel a certeza de que a nossa vida não termina com ela”.
Fonte: Vatican News