Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
Primeira e segunda leituras como no ano A
Oração: Deus eterno e todo-poderoso, que, sendo o Cristo batizado no Jordão, e pairando sobre ele o Espírito Santo, o declarastes solenemente vosso Filho, concedei aos vossos filhos adotivos, renascidos da água e do Espírito Santo, perseverar constantemente em vosso amor.
- Primeira leitura: Is 42,1-4.6-7
Eis o meu servo: nele se compraz minha’alma.
A segunda parte do livro de Isaías (Is 40–55), inclui quatro poemas, chamados Cânticos do Servo Sofredor. Para a primeira leitura da festa do Batismo do Senhor foi escolhido o primeiro Cântico. É uma escolha bem apropriada porque ilumina o sentido do batismo de Jesus por João Batista. Os primeiros cristãos começaram a ler o Antigo Testamento à luz da fé em Cristo morto e ressuscitado. Usaram os cânticos de Isaías para interpretar a vida de Jesus e sua missão (ver At 8,26-40: conversão do camareiro etíope).
Na leitura de hoje, o profeta diz em nome de Deus: “Eis meu servo – eu o recebo; eis o meu eleito. Nele se compraz a minha alma”. Deus põe sobre o servo o seu espírito, para cumprir uma missão universal, “o julgamento das nações”. O servo é um ungido pelo Espírito do Senhor. Ele não anunciará um julgamento punitivo, pois os exilados já pagaram em dobro por seus crimes (Is 40,2). O julgamento das nações é para salvar o povo eleito. O servo virá com a mansidão de um pastor para cuidar das suas ovelhas, sobretudo, das mais fracas: Não quebrará a cana rachada, nem apagará o pavio que ainda fumega. Não descansará enquanto não estabelecer os seus ensinamentos e a justiça na terra. O servo é escolhido a dedo – “eu te tomei pela mão”. Por fim, o servo recebe uma missão: abrir os olhos dos cegos, tirar os cativos da prisão, livrá-los do cárcere. O Servo Sofredor é alguém que se compadece e sofre com os injustiçados. Jesus se identifica com o Servo de Deus quando apresenta sua missão na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-22).
Salmo responsorial: Sl 28
Que o Senhor abençoe, com a paz, o seu povo!
- Segunda leitura: At 10,34-38
Foi ungido por Deus com o Espírito Santo.
A pedido de Cornélio, comandante de um batalhão do exército romano, Pedro foi a Cesareia Marítima para falar sobre Jesus. Cornélio queria conhecer melhor quem era Jesus de Nazaré. Sabia que Jesus tinha sido condenado à morte por Pilatos, mas agora diziam que Jesus havia ressuscitado dos mortos. Até então Pedro pregava o evangelho apenas para os judeus. Relutava em aceitar o convite de uma família pagã. Mas, na véspera da vinda dos mensageiros de Cornélio foi convencido por uma visão celeste a aceitar o convite (cf. At 10,1-33). Depois das explicações dadas por Cornélio e da visão que teve, Pedro diz: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz distinção de pessoas”. Reconhece na casa de Cornélio e sua família que os pagãos não precisam tornar-se judeus para, só então, se tornarem cristãos: Quem pratica a justiça e teme a Deus é bem acolhido por Ele. Como Cornélio já conhecia bastante sobre Jesus, Pedro apenas diz: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, começando pela Galileia, depois do batismo pregado por João” (v. 37). Os estudiosos reconhecem neste verso o esquema básico dos três primeiros evangelhos. Invertendo a frase, temos: batismo de Jesus, missão na Galileia, viagem a Jerusalém, morte e ressurreição do Senhor. Marcos adotou este esquema geográfico para seu evangelho, seguido depois por Mateus e Lucas. O primeiro anúncio (querigma) se resume à fé em Jesus como o Messias, ungido por Deus pelo Espírito Santo e com poder. O Espírito assim se manifestou na vida de Jesus: Ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele. Pedro fez o melhor elogio de Jesus, Filho de Deus, que passou por este mundo só fazendo o bem. Jesus manifestou o amor misericordioso de Deus, o sumo Bem. – Esta é a missão que todos recebemos quando fomos batizados. Possamos também nós manifestar pela nossa vida e ação a bondade e misericórdia de Deus.
Aclamação ao Evangelho
Abriram-se os céus e fez-se ouvir a voz do Pai:
Eis meu filho muito amado; escutai-o, todos vós!
- Evangelho: Lc 3,15-16.21-22
Jesus recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se abriu.
A Igreja celebra hoje a festa do Batismo do Senhor, encerrando o tempo litúrgico do Advento e Natal. No próximo domingo já teremos o 2º domingo do Tempo Comum, ano C. Quando João Batista pregava o Batismo de conversão e anunciava que o reino de Deus estava próximo, muitos se perguntavam se não seria João o Messias esperado. Mas João deixou claro que ele não era o Messias. Ele batizava apenas com água, em sinal do perdão dos pecados. Depois dele viria alguém com mais poder do que ele, isto é, Jesus de Nazaré. Esse, sim, purificará o povo de todos os pecados, porque “batizará no Espírito Santo e no fogo”.
Lucas segue o evangelho de Marcos, com pequenas, mas importantes, modificações. No Evangelho e nos Atos dos Apóstolos, ele divide a “história da salvação” em três tempos: 1. Tempo da promessa: o Antigo Testamento até o batismo de João; 2. O tempo do cumprimento da promessa, em Jesus de Nazaré, até sua ascensão ao céu; 3. E o tempo da Igreja, animado pela ação do Espírito Santo. Por isso, segundo Lucas, Jesus está no meio do povo e “entra na fila” para se batizar. Depois de batizado, já fora da água, põem-se em oração e o Espírito Santo repousa sobre ele como uma pomba; então é que uma voz do céu se faz ouvir: “Tu és o meu Filho, em ti ponho o meu bem-querer”. Assim termina o tempo da promessa e começa o tempo do cumprimento da promessa. Terminada a missão de Jesus aqui na terra (Ascensão), o Espírito Santo repousará sobre os apóstolos e umas 120 pessoas no dia de Pentecostes (At 2), dando início ao terceiro tempo, o da Igreja. Esse é o nosso tempo, tempo de evangelizar e testemunhar nossa fé, numa “Igreja em saída”.
Fonte: Franciscanos
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.