As lágrimas que Deus guarda

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OS SALMOS, NOSSO ESPELHO

 

─ Em Deus confio, não temerei… Contaste os passos da minha caminhada errante, minhas lágrimas recolhes no teu odre (Salmo 56,5.9).

Há lágrimas que se evaporam, como uma chuva de verão, pois brotam de sentimentos superficiais e passageiros. Há lágrimas corrosivas, como as da raiva, o ódio e a inveja. E há lágrimas que Deus recolhe e guarda no seu “odre”, como se guarda um perfume.

Apoiados nos Salmos, vamos meditar em algumas dessas lágrimas que Deus guarda eternamente no seu “odre”. São daqueles tesouros no Céu, de que fala o Evangelho (Mt 6,20).

  • Amo o Senhor porque escuta o clamor da minha prece… Volta, minha alma, à tua paz, pois o Senhor te fez o bem; ele me libertou da morte, livrou meus olhos das lágrimas (Salmo 116,1.7-8).

Deus sempre escuta a oração sincera, feita com confiança filial, às vezes ungida com as com lágrimas da tristeza ou do desencanto.

A conversa confiante com nosso Pai Deus sempre nos alcança, haja o que houver, o dom da paz, o bem que mais anseia a nossa alma; e isso nas mais variadas vicissitudes da vida: na fortuna e na adversidade, no sucesso e no fracasso, na saúde e na doença, no riso e no pranto … Como é bom saber que, orando, sempre podemos encontrar a paz, apertando o nosso coração junto do coração de Cristo, mesmo que, sobre essa paz, algumas lágrimas ainda molhem o sorriso. Quanta razão tinha São Josemaria quando ensinava: «A oração é indubitavelmente o “tira-pesares” dos que amamos a Jesus»[1].

  • Quem semeia entre as lágrimas colherá com alegria. Quando vai, vai chorando, levando a semente para plantar; mas quando volta, volta alegre, trazendo seus feixes (Salmo 126,5-6).

Esse versículo traz ao pensamento o que dizia Jesus, no domingo de Ramos, entrando em Jerusalém: Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto (Jo 12,24). Só enterrando, pouco a pouco, o nosso egoísmo – esse terrível câncer da alma – é que poderemos colher frutos de amor e saborear o pão da alegria.

Como nos custa entender isso! Parecem loucura as palavras de Jesus: Quem quiser guardar a sua vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de mim, a encontrará (Mt 16,25). Não é absurdo, não é pedir demais? No entanto, para quem o experimenta, esse é o único caminho feliz, porque é o caminho do amor. Como diz uma velha cantiga:

Amor que não pena

não peça prazer,

pois que já o condena

seu pouco querer.           

Amar é “dar”, amar muito é “dar-se”, e isso não se consegue sem renunciar a “si mesmo”, como diz Jesus: aos desejos, vontades, prazeres, planos e anseios que são meramente egoístas. Renunciar por Amor não é perder, mas ganhar.

O Senhor, que nos chama a segui-lo pelo caminho do Amor, dá-nos a senha desse caminho: Se alguém quer me seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (Mt 16, 24). Cruz, sacrifício, renúncia voluntária e amada. «Nenhum ideal se torna realidade sem sacrifício»[2]

  • Junto aos rios da Babilônia, nós nos sentamos a chorar, com saudades de Sião (Salmo 137,1).

Os judeus deportados para a Babilônia por Nabucodonosor, choram as saudades da Jerusalém incendiada e destruída, lembram-se dos cânticos do Templo, dos dias felizes junto do monte Sião.

Por que foram desterrados? Daniel o reconhece nesta sua oração: Foi justa a sentença que proferiste, justos os castigos que nos mandaste a nós e a Jerusalém, cidade santa dos nossos pais. Tudo aquilo que nos mandaste foi sentença justa, por causa dos nossos pecados. Sim! Pecamos! Foi um crime afastarmo-nos e ti! (Dn 3,28-29).

Mas, mesmo lamentando essa desgraça tremenda, o profeta confia em que Deus, ao ver o arrependimento do seu povo, o tratará conforme a sua misericórdia. Por isso, promete, em nome de todos: Mas, agora, vamos te seguir sempre, de todo o coração (Dn 3,41-42).

Essas lágrimas que queimam são as que o nosso coração derrama quando toma consciência dos seus pecados, “acordando” às vezes de um longuíssimo pesadelo. Como o filho pródigo ferido no coração pelas saudades da casa do Pai que renegou (cf. Lc 15,17-19).

Como são boas as lágrimas de quem, tendo errado, retifica, dá uma virada sincera e se decide a voltar ao caminho de Deus. Esse coração arrependido escutará Deus Pai que lhe diz: Façamos uma festa: este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado (Lc 15,24).

  • Senhor, não me repreendas em tua ira… Tem piedade de mim, Senhor… Inundo de pranto meu catre toda a noite e banho de lágrimas o meu leito (Salmo 6,1.3.7).

Uma exegese clássica colocava esses versos na boca de Davi, depois do seu adultério com Betsabéia e da morte do esposo dela, Urias (2 Sm 11,2 seg.). Banho de lágrimas o meu leito!

São as lágrimas da contrição, da dor da alma que esqueceu e ofendeu  a Deus. «Choras? – Não te envergonhes. Chora; sim, os homens também choram, como tu, na solidão e diante de Deus. – Durante a noite, diz o rei Davi, regarei de lágrimas o meu leito. – Com essas lágrimas, ardentes e viris, podes purificar o teu passado e sobrenaturalizar a tua vida atual»[3]. 

Tenho a convicção – e assim o escrevi há tempos – de que uma das maiores desgraças que um homem pode ter é não ser capaz de se arrepender. Será fatalmente um ser humano achatado, mutilado na sua grandeza e diminuído na sua dignidade. Será um homem ou uma mulher que espiritualmente não chegará a vingar. Aquele que não “sabe” arrepender-se, fica estagnado, cego; cristaliza nos seus defeitos, rotinas e mediocridades, e morre ignorando o que significa a palavra amor, mais especificamente, aquela que encabeça o primeiro e principal de todos os mandamentos: “Amarás a Deus sobre todas as coisas”.

»Enquanto não brotar uma lágrima de verdadeiro arrependimento, o coração humano, mesmo o que parece bom e limpo, não possuirá o segredo da porta de acesso ao Coração de Cristo, ou seja, ao Amor com maiúscula. As lágrimas penitentes são essa chave. Sem elas, para nós, pecadores, não há outra que abra [4].

Fonte: Padre Francisco Faus

[1] Forja, n. 756

[2]Caminho, n.

[3] Caminho, n. 216

[4] Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, 1ª ed. Quadrante, São Paulo 1993, p. 54

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