As horas extras de Deus durante a Semana Santa

“E o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo.” (Mc 15,38)

 

Antes mesmo que acontecesse, o Senhor sabia que precisaríamos “respirar” para dar conta de tudo o que viria.

A Semana Santa começa com a alegria do hosana, do povo aclamando Jesus – das pedras que ousariam gritar se os profetas tivessem silenciado.

A gente sempre quer viver e reviver esta festa, quer romper as barreiras internas que tantas vezes nos afastam do caminhar cristão. Sobretudo neste momento, quando até as ruas andam mais silenciosas, como a gente queria romper as barreiras do isolamento e abrir caminho para Jesus passar e dizer ao seu povo: vai ficar tudo bem!

Mas é no mesmo Domingo de Ramos que começamos a lembrar da Paixão. Aquela lufada de alegria, que começa com a comemoração da entrada do Senhor em Jerusalém, não é o único ar que recarrega os pulmões após a Celebração Eucarística.  Depois de participar da Santa Missa (no templo, ou mesmo em casa – situação comum durante a pandemia), os pulmões parecem preenchidos de um lado, pelo ar festivo dos hosanas, e, do outro, pela seriedade do Evangelho da Paixão.

A Segunda, Terça e Quarta Santas nos sinalizam a dimensão das dores que vêm. As dores da Mãe e as dores do Filho. As dores de quem segue pelo caminho do Calvário. Refletimos sobre isso: as Chagas de Jesus, as Dores de Maria e o encontro de Mãe e Filho.

E, aí, voltamos àquela lufada divina, àquele respiro: chegamos à Quinta-feira Santa. Cantamos o Glória! Ô glória que é poder cantar o Glória, suprimido da nossa liturgia diária durante a Quaresma. A gente nem sempre se dá conta da falta que faz esse hino. Mas os pulmões entendem e compreendem de imediato. Bastam-lhes “ouvir” as primeiras notas… É uma quinta em que o roxo sede lugar para toda a realeza do branco. Se não fosse a pandemia, teríamos o lava-pés e toda a profundidade do que Jesus quis dizer com esse gesto. É ali, entre os seus escolhidos, que Ele pega o pão e o vinho e, sem usar metáforas, diz: “Isto é o meu corpo…, este cálice é a nova aliança, em meu sangue” (cf 1Cor 11,23-26) – que será derramado! E completa: “Fazei isto em minha memória”! (1Cor 11,24)

Você já parou para imaginar como deve ter sido esse dia para Jesus e seus discípulos? Eles se reuniram pouco antes da festa da páscoa judaica. Deveriam estar sorrindo, comungando a alegria de um povo liberto. “Este dia será para vós uma festa memorável em honra do Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações, como instituição perpétua. (Ex 12,14)

Mas, de novo, na sequência da celebração, a gente sente o ar sendo retido nos pulmões. O Evangelho vai nos dizer do que vem e o que vem é a suspensão de tudo – é como se o mundo fosse obrigado a parar, em todos os sentidos – e embora não pare, ele para! A impressão que dá é que Deus não vai fazer a sua páscoa – Ele não vai passar!

Leva um tempo para a gente compreender que as coisas de Deus podem não fazer muito sentido – dentro de um sentido a partir da lógica clássica. Mas, num determinado momento, tudo faz muito sentido.

“Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Estavam tomando a ceia. O diabo já tinha posto no coração de Judas, (…)o propósito de entregar Jesus.” (Jo 13,1s)

No instante em que celebravam a alegria, “o diabo já havia posto no coração de Judas” … É assim que a vida acontece, desde a desobediência de Adão e Eva até os dias de hoje. Há sempre um bem e um mal sussurrando nos ouvidos da humanidade.

(E aquela Quinta-feira de Glória, de lava-pés, de Ceia… não termina. Tudo que foi preparado para a alegria do dia é retirado. Retiramos os vasos, retiramos as velas e os castiçais, retiramos todos os tecidos que vestem cada centímetro do presbitério… até desnudar o altar. A alegria da Quinta-feira Santa termina com a certeza: crucificaremos Jesus!).

Das horas extras de Deus

A Semana Santa, também denominada Semana Maior, tem oito dias. Graças a Deus!

O Pai descansou no sétimo dia. Seu Filho estava morto no dia de descanso. Mas, pergunto-me: que pai confortavelmente é capaz de descansar quando o seu filho desce à mansão dos mortos?

Não o Pai do Céu! Não este Pai cujo Filho é a sua encarnação! Não este Pai que nos amou antes mesmo de nos soprar no mundo. Não! Este Pai não descansa. E tem feito muitas horas extras em tempos de pandemia.

Uma Semana Santa ainda mais difícil para os enlutados. Perdemos as contas de quantos sétimos dias celebramos na Semana Maior. Muitos mortos vítimas da covid-19 – chegamos à Sexta-feira Santa com 198 mortes confirmadas em Itabira desde o início da pandemia. Não estamos prontos para passar por tudo isso sem a presença deste Pai. Precisamos do seu colo, da sua mão fazendo cafuné em nossa cabeça, do seu Espírito amansando nosso coração e nossas dores.

O altar está desnudo. É assim que tem que ser. Jesus está morto. Por amor, está na mansão dos mortos, anunciando, aos que partiram antes Dele, o Reino do Céu. Está ali para levar a mesma salvação que nos foi permitida pela sua morte de cruz.

Não é possível compreender as coisas de Deus sem ter parte com Jesus: “Se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8). É preciso ter parte com o Cristo na vida e na morte, na alegria e na tristeza.

A Semana Maior nos convida a refletir sobre isso também. Se somos capazes de seguir Cristo até o fim – porque é no fim que está o verdadeiro começo. O fim do Cristo – “Tudo está consumado” (Jo 18,30) – é a certeza da sua vitória: “Eu o glorifiquei e o glorificarei novamente!”. (Jo 12,28)

Jesus venceu a morte! Ao ser glorificado na ressurreição, glorifica nossos mortos que, a partir Dele, também poderão retornar à casa do Pai.

Graças a Jesus, graças a sua morte de cruz, nos despedimos de amigos, familiares, conhecidos e desconhecidos com tristeza, mas também certos de que há uma vida eterna. Graças a Jesus, temos motivos para celebrar o sétimo dia. Sem Ele, os nossos mortos estariam verdadeiramente mortos!

Tudo se resume a Ele:

“E o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo.” (Mc 15,38)

Jamais venceremos o pecado por mérito próprio. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo, ao derramar Seu Sangue e entregar-se livremente, nos resgatou. O caminho para chegar a Deus foi aberto pelo Cordeiro perfeito.

(… hoje nos silenciamos).

 

Liliene Dante

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