Altíssimo, Onipotente e bom Senhor

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Por Frei Almir Guimarães

 

Vós sois nossa esperança, Vós sois nossa fé, Vós sois nossa caridade, Vós sois toda nossa doçura, Vós sois nossa vida eterna: grande e admirável Senhor, Deus onipotente, misericordioso salvador” (São Francisco de Assis)

♦ Ao dirigir-se ao Senhor, Francisco de Assis mostrava desmedida admiração. Não encontrava palavras que fossem capazes de descrever esse Mistério insondável de amor que é a Trindade: altíssimo, onipotente, bom, ternura, paz… Aproximamo-nos sempre de Deus com imenso respeito. Pedimos que ele se digne nos olhar com complacência. Temos certeza do amor dessa Trindade. Não receamos nos lançar em seu abismo de caridade. Festa de Deus, insondável abismo de Deus. Um Deus em Três pessoas.

♦ Por ele nosso coração anseia. Vivemos irrequietos enquanto nele não descansarmos. Deus está para além do que podemos ver, ouvir, alcançar. Chamamo-lo de Tu, numinoso, simplesmente Deus. Pena que a palavra Deus pareça gasta e já não nos fala às entranhas. Altíssimo e Bom Senhor, sempre buscado e nunca alcançado.

♦ Moisés estava diante de um arbusto que ardia e não se consumia. Calor, fogo que cega, queima e aquece. Ele é convidado a tirar as sandálias dos pés porque santa era a terra em que estava pisando.

♦ Isaías tem uma visão no templo. O três vezes santo está num trono elevado, circundado pelos anjos que o adoram. O profeta sente todo o peso de sua indignidade. Tem certeza de seu pecado. Um serafim toma um brasa e queima os lábios do profeta para que possa dizer com candura e limpeza interior: Santo, Santo, Santo.

♦ Elias está desanimado com tanta oposição que lhe é feita. Retira-se do campo de batalha, de sua pregação e de suas exortações. Entra numa caverna. O Senhor não estava na tempestade, nem no fogaréu. Quando sopra uma brisa suave reconhece a passagem do Senhor e com o manto cobre o semblante.

♦ Jesus, expressão humana de Deus, Deus mesmo vivendo entre nós, procura nos levar ao Mistério. Fala de um Pai que é amor, que o envolve, que o cerca. Fala de um envolvimento todo especial dele com Pai. Fala mesmo que ele e o Pai são um. Quem o vê, vê o Pai. Todo poder recebe do Pai. Ele e o Pai não deixarão órfãos os homens, mas enviarão o Paráclito que procede do Pai e do Filho. Fornalha de amor: Pai, Filho e Espírito.

♦ O Pai não é gerado, é eternamente Pai. O Filho, o Verbo, a Palavra também eternamente gerado. Consubstancial ao Pai. Na plenitude dos tempos o Verbo se fez carne e habitou entre nós. O “segundo” da Trindade se revestiu da natureza humana. O amor, o liame, o laço entre o Pai e o Verbo é o Sopro, o Vento, é o Espírito. Como o Verbo, também o Espírito tem uma missão “ad extra”. Belamente esse abismo é expresso na antífona ao Magnificat da Solenidade da Trindade: “Deus Pai não gerado, Deus Filho Unigênito, Deus Espírito Santo, divino Paráclito, ó Santa, indivisa e una Trindade: com todas as fibras da alma e da voz, vos louvamos, cantando, na fé confessando: Glória a vos pelos séculos”.

♦ Estamos mergulhados e envoltos na Trindade: fazemos o sinal da cruz invocando a Trindade, nela somos batizados, nela absolvidos. Todas as orações dirigidas ao céu se dirigem à Trindade. Morremos com a bênção da Trindade.


Texto para reflexão

É necessário crer na Trindade? É possível? Serve para algo? Não é uma construção intelectual desnecessária? Vai mudar algo em nossa fé, se não crermos no Deus trinitário? Há dois séculos o célebre filósofo Immanuel Kant escrevia estas palavras: “Do ponto de vista prático, a doutrina da Trindade é perfeitamente inútil”. Esta afirmação é certamente falsa. A fé na Trindade muda não só nossa visão de Deus, mas também nossa maneira de entender a vida. Confessar a Trindade de Deus é crer que Deus é um mistério de comunhão e de amor. Não um ser fechado e impenetrável, imóvel e indiferente. Sua intimidade misteriosa é só amor e comunicação. Consequência: no fundo último da realidade, dando sentido e existência a tudo, não há senão Amor. Tudo o que existe vem do Amor.

O Pai é amor, a fonte de todo amor. Ele começa o amor. “Só ele começa a amar sem motivos; mais ainda, é ele que desde sempre começou a amar” (Eberhard Junge). O Pai ama desde sempre e para sempre, sem ser obrigado ou motivado de fora. É o “eterno Amante”. Ama e continuará amando sempre. Nunca vai retirar de nós seu amor e fidelidade. Dele só brota amor. Consequência: criados à sua imagem, fomos feitos para amar. Só amando acertamos na vida.

O ser do Filho consiste em receber o amor do Pai. Ele é o “Amado eternamente”, antes da criação do mundo. O Filho é o amor que acolhe, a resposta eterna ao amor do Pai. O mistério de Deus consiste, pois, em dar e também em receber amor. Em Deus, deixar-se amar não é menos que amar. Receber amor é também divino! Consequência: criados à imagem desse Deus fomos feitos não só para amar, mas para sermos amados.

O Espírito Santo é a comunhão do Pai e do Filho. Ele é o Amor eterno entre o Pai Amante e o Filho Amado, aquele que revela que o amor divino não é possessão ciumenta do Pai nem açambarcamento egoísta do Filho. O amor verdadeiro é sempre abertura, dom, comunicação transbordante. Por isso, o amor de Deus não se detém em si mesmo, mas se comunica e se estende até suas criaturas. “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Consequência: criados à imagem desse Deus, fomos feitos para amar-nos, sem açambarcar e sem encerrar-nos em amores fictícios e egoístas” (Mateus, Pagola, p.349).

Oração ou reflexão
Rezo à Santíssima Trindade. Rezo a Deus que sendo único, me ensina o sentido Trinitário da existência. Todo amor deve aspirar-se a tornar, pois a inclusão do terceiro é seu critério de verdade. É tão tentador trancar o coração no individualismo ou no conforto de uma relação dual; é tão fácil excluir o terceiro! O terceiro é aquele que escancara a vida a uma lógica pura de gratuidade. Já não sou eu próprio e o meu sentir. Nem é apenas a complementaridade necessária que o segundo me oferece. O terceiro obriga-me a decolar de mim. A fazer do centro, não minhas necessidades e desejos, mas o dom, a dádiva, o amor. Hoje rezo à Santíssima Trindade. José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, Paulinas, p. 81 

Fonte: Franciscanos


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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