Parece óbvio, ainda mais após a reforma do direito penal sobre o assunto promulgada por Bento XVI e especialmente pelo Papa Francisco, o caráter pessoal deste abominável ato humano, um grave pecado externo e delito, cometido por um clérigo (diácono, presbítero, bispo ou cardeal), ou, como estabelecido na recente Constituição Apostólica Pascite Gregem Dei, por um religioso ou uma religiosa ou qualquer fiel que desfrute de uma dignidade ou desempenhe um cargo ou função na Igreja. Mas, embora seja particularmente doloroso para a comunidade dos fiéis, parece evidente que também teria um caráter pessoal, o crime do Ordinário secular ou religioso que silencia ou encobre a denúncia de um ou mais atos de pederastia, ou omite irresponsavelmente as normas processuais claras previstas pela lei da Igreja para salvaguardar os direitos dos denunciantes, das vítimas e dos acusados. Não se trata de saber se o bispo ou superior “reconhece” ou “aceita” sua responsabilidade: esta responsabilidade pessoal moral e jurídica existe, não se pode simplesmente atribuí-la a outros, antecessores ou colegas.
É verdade que no caso de crime ou erro do bispo, a vergonha dos fiéis e às vezes também a responsabilidade econômica pode recair sobre todo o relativo corpo eclesiástico, mas isto não pode levar a negar ou duvidar da legitimidade jurídica e da bondade moral dos objetivos institucionais da diocese. Ainda menos lógico seria duvidar da credibilidade da Igreja e do valor salvífico de sua missão e de seu magistério, apesar dos erros, pecados e às vezes até mesmo crimes de seus membros, incluindo os membros superiores da Hierarquia. Por outro lado, seria ingênuo ignorar o fato de que, especialmente na atual conjuntura histórica, as “potências fortes” deste mundo procuram tirar proveito das fraquezas do elemento humano da Igreja a fim de desacreditá-la perante a opinião pública mundial.
É evidente que defender a Igreja “Corpo de Cristo” (1 Cor 12,27), reduzido pelos pecados de seus membros, pelos nossos pecados, como um novo “Ecce Homo” diante do mundo, não significa uma autodefesa óbvia e clerical. Não se trata de proteger uma imagem “narcisista” de poder e prestígio mundano de uma Igreja que se defende esquecendo a humildade, mas de reafirmar a divindade de sua origem, a santidade dos sacramentos que oferece e a perene atualidade e credibilidade da Mensagem cristã de salvação.
A advertência de São Cipriano de que se devemos amar a Deus, devemos também amar a Igreja permanece sempre relevante: “Não pode ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como mãe” (A unidade da Igreja católica, 4). De fato, apesar da pecaminosidade de seu aspecto humano (mas na Igreja existem inúmeros filhos santos), a Igreja é a Mãe que comunica a vida: a “vida, verdade e caminho” de Cristo, graças à qual somos filhos do Pai. Por isso, dirigindo-se aos jovens depois do Sínodo dedicado a eles, o Papa Francisco disse: a Igreja “não tem medo de mostrar os pecados de seus membros, que às vezes alguns deles procuram esconder […]. Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando está ferida, mas acompanhamo-la para que tire fora de si mesma toda a sua força e capacidade de começar sempre de novo. (Exortação Apostólica, Christus vivit, nº 101), “para se abrir a um novo Pentecostes e […] uma renovada juventude ” (ibid., nº 102).
Agradecendo-lhes a atenção que prestarão a estas considerações, saúdo-lhes muito cordialmente.
Fonte: Vatican News/ publicado originalmente em L’Osservatore Romano – por Cardeal Julián Herranz, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos