Por Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Quando, em março passado, o Dicastério da Doutrina da Fé publicou a Declaração Dignitas Infinita, refletindo sobre a dignidade humana, alertou-se sobre a redução desse conceito com sérias consequências práticas. Especialmente quem pleiteia novos direitos que contrastam com o direito fundamental à vida. O que se pretende é garantir os direitos individuais e a satisfação de desejos subjetivos. Nesses casos, quem pretende uma liberdade isolada e individualista tende a impor direitos que a coletividade deve acolher.
A Declaração, entretanto, denuncia que a dignidade humana não pode ser baseada sobre pretensões meramente individuais. Ela não pode ser identificada somente com o bem-estar psicofísico do indivíduo. Afinal, “a dignidade humana, à luz do caráter relacional da pessoa, ajuda a superar a perspectiva redutiva de uma liberdade autorreferencial e individualista, que pretende criar os próprios valores prescindindo das normas objetivas do bem e da relação com os outros seres viventes.”
É nesse contexto de subjetividades que se repetem narrativas que trazem graves consequências na violação da Dignidade Humana. A Declaração denuncia que é preciso “reconhecer que se opõe à dignidade humana tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário. Atenta ainda contra a nossa dignidade tudo aquilo que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas”.
O texto também indica que “tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis.”
O texto profeticamente alerta sobre a gravidade da guerra, que nega a dignidade humana. Com o seu poder de destruição e causa de dor, a guerra ataca a dignidade humana mesmo que seja reafirmado o direito inalienável à legítima defesa, como também a responsabilidade de proteger aqueles cuja existência é ameaçada. Devemos admitir que a guerra é sempre uma “derrota da humanidade”, diz a declaração.
Merece ser transcrito aqui o que se diz sobre os desdobramentos de uma guerra: “nenhuma guerra vale a as lágrimas de uma mãe que viu seu filho mutilado ou morto; nenhuma guerra vale a perda da vida, ainda que fosse de uma só pessoa humana, ser sagrado, criado à imagem e semelhança do Criador; nenhuma guerra vale o envenenamento da nossa casa comum; nenhuma guerra vale o desespero de quantos são obrigados a deixar a sua pátria e são privados, de um momento a outro, da sua casa e de todos os vínculos familiares, de amizade, sociais e culturais que foram construídos, às vezes ao longo de gerações”. Enfim, nada pode ameaçar a dignidade infinita de cada pessoa.
Fonte: CNBB