Por Pe. Johan Konings
O evangelho nos regala com um dos trechos mais significativos de Marcos: a discussão sobre o que é puro e o que impuro (Mc 7,1-23). Os discípulos se puseram a comer sem lavar as mãos. Mas lá estavam alguns vizinhos piedosos, da irmandade dos fariseus, acompanhados de professores de teologia (escribas), vindos da capital, de Jerusalém. Logo se intrometeram, dizendo que é proibido comer sem lavar as mãos. (Como também se deviam lavar as coisas que se compravam no mercado, os pratos e tigelas e tudo o mais). Mas Jesus acha tudo isso exagerado, sobretudo porque dão a isso um valor sagrado.
Na realidade, a piedade de Israel era relativamente simples. Religião complicada era a dos pagãos, que viviam oferecendo sacrifícios e queimando perfumes para seus deuses, cada vez que desejavam alguma ajuda ou queriam evitar um castigo. Mas a religião de Israel era sóbria, pois só conhecia um único Deus e Senhor. Consistia em observar o sábado, oferecer uns poucos sacrifícios, pagar o dízimo e, sobretudo, praticar a lealdade (amor e justiça) para com o próximo. Moisés já tinha dito que não deviam acrescentar nada a essas regras simples, admiradas até pelos outros povos (1ª leitura). E Tiago – o mais judeu dos autores do Novo Testamento – diz claramente: “Religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27; 2ª leitura).
Mas, no tempo de Jesus, os “mestres da Lei” tinham perdido esse sentido de simplicidade. Complicaram a religião com observância que originalmente se destinavam aos sacerdotes. Clericalizavam a vida dos leigos. Queriam ser mais santos que o Papa! Chegavam a dizer que era mais importante fazer uma doação ao templo do que ajudar com esse dinheiro os velhos pais necessitados. Inversão total das coisas. Ajudar pai e mãe é um dos Dez Mandamentos, enquanto de doações ao templo os Dez Mandamentos nem falam. Declaravam também impuras montão de coisas. No templo, tudo bem, o bezerro ou o cordeirinho a ser oferecido tem de ser bonito, puro, sem defeito. Mas no dia a dia, a gente come o que tem e do jeito como pode. Sobretudo a gente pobre, os migrantes, como eram os amigos de Jesus. Contra todas essas invenções piedosas, Jesus se inflama. Não é aquilo que entra na gente _ e que é evacuado no devido lugar – que torna impuro, mas a malícia que sai de sua boca e de seu coração (Mc 7,18-23).
Jesus quis sempre ensinar o que Deus quer. A Lei era uma maneira para “sintonizar” com a vontade de Deus. E Jesus respeita a Lei, melhorando-a para torná-la mais de acordo com a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem do ser humano. Isso é o essencial. O demais deve estar a serviço do verdadeiro bem da gente e não o impedir. A verdadeira sintonia com Deus, a verdadeira piedade é o amor a Deus e a seus filhos e filhas. Práticas piedosas que atravancam isso são doentias e/ou hipócritas.
Mais ainda que a Lei de Moisés em sua simplicidade original, a “religião de Jesus” deve brilhar por sua profunda sabedoria e bondade. Deve mostrar com toda a clareza o quanto Deus ama seus filhos e filhas ensinando-lhes a amarem-se mutuamente. Daí nossa pergunta: nossas práticas religiosas ajudam a amar mais a Deus e ao próximo, ou apenas escondem nossa falta de compromisso com a humanidade pela qual Jesus deu a sua vida?
Fonte: franciscanos.org.br
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.