Por Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá/PA
A comunidade eclesial vive um tempo especial de sinodalidade, porque é o momento de ouvir a voz do Espírito que vem de todas as instâncias eclesiais para que todos se esforcem pela superação do autoritarismo, do individualismo, do clericalismo, e haja mais vida do Senhor na vida humana. É todo um processo de unidade da Igreja e do Sínodo. É um tempo de graça, muito importante em que as Dioceses, o povo de Deus estão respondendo as perguntas, e também ouvem a caminhada da Igreja na família, na comunidade e na sociedade, sendo este um processo de continua conversão, que é ouvir a voz do Espírito Santo para que a Igreja seja mais servidora, samaritana, missionária. A Igreja é comunhão, participação e missão. Estes são os temas do Sínodo 2023, convocado por Papa Francisco em Roma, Outubro de 2023.
Santo Atanásio foi uma das grandes colunas da ortodoxia, da defesa da divindade do Senhor Jesus Cristo diante da doutrina ariana que negava a sua divindade e também ele lutou pela divindade do Espírito Santo. Ele afirmou que o Filho é Deus como o Pai é Deus, como o Espírito Santo é Deus. Como secretário do Concílio de Nicéia, em 325, ele viveu a sinodalidade, a caminhada de uma Igreja em conjunto, ouvindo a voz do Espírito Santo para fazer confronto contra Ário. O concílio afirmou que o Verbo é Deus, consubstancial ao Pai, é da mesma substância, de modo que o arianismo foi condenado em Nicéia.
Após algumas décadas da polêmica e condenação do arianismo, a divindade do Espírito Santo foi debatida por alguns fiéis da Diocese de Thmuis, no Egito, chamados “trópicos”, pois estes a negavam, considerando-o como um anjo. Serapião, bispo daquela diocese, recorreu a Atanásio para saber a forma de correspondência para com aquelas pessoas, nas quais eles afirmavam que o Espírito Santo não seria Deus, de modo que o bispo de Alexandria respondeu as diversas cartas, afirmando sempre a divindade do Espírito Santo. A sinodalidade foi importante nesses pontos porque um bispo recorreu ao outro bispo para afirmar a fé da Igreja no Espírito Santo. A seguir, nós veremos alguns pontos que fazem parte da doutrina da divindade do Espírito em Santo Atanásio.
O Espírito Santo nunca foi chamado de anjo
Santa Atanásio disse ao bispo Serapião que a partir das Escrituras não existem afirmações nas quais indicariam que o Espírito Santo seria chamado anjo. Ele percebeu estas coisas, porque o grupo de fiéis na Diocese de Thmuis, no Egito, afirmavam que o Espírito faria parte da esfera dos anjos. O Espírito é chamado de Paráclito (Jo 15,26), Espírito de santificação, Espírito de Deus e jamais é dito anjo ou arcanjo, ou espírito de serviço, dos quais são os anjos. Ele é dito por Gabriel que o Espírito Santo virá sobre Maria e o Poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra (Lc 1,35)[1].
A diferença é grande entre os anjos e o Espírito porque, enquanto aos anjos é dito que serviam a Cristo (Mt 4,11), o Senhor disse aos discípulos que eles receberiam o Espírito Santo (Jo 20,22). Desta forma, o Senhor não colocou junto um anjo com a divindade, nem uniu consigo e com o Pai, uma criatura, mas sim está o Espírito Santo. Ele também não disse que quando o Pai mandaria o Paráclito, não falou num anjo, mas o Espírito de verdade que procede do Pai (Jo 15,26), toma do Filho (Jo 16,15) para dar aos discípulos (Jo 20,22)[2].
O Espírito distingue-se dos anjos
Santo Atanásio teve presente também Moisés que sabia que os anjos são criaturas enquanto o Espírito é unido a Deus, ao Pai e ao Filho. Ele suplicou que o Senhor estivesse com ele (Ex 33,15), na promessa que o Senhor fez para Abraão, Isaac e Jacó, para que o povo saísse do Egito e ele fosse à terra prometida (Ex 33,1-2)[3]. Moisés não queria a condução de uma criatura para guiar o seu povo, para assim não apreender a adorar a criatura, mas ao Criador (Rm 1,25) de todas as coisas, isto é Deus. Diante deste fato, não havia dúvida que Moisés pediu que fosse Deus mesmo a conduzir o seu povo. Deus fez a promessa que aquilo que ele pediu, ele encontrou graça diante de Deus e porque o Senhor o conhecia em relação às outras pessoas (Ex 33,17)[4]. A partir destes dados, colocados pela Sagrada Escritura, Deus prometeu agir como guia, não prometeu mais enviar um anjo, antes o seu Espírito, que é superior aos anjos, como guia do povo, mostrando que o Espírito não está ao lado das criaturas como um anjo, mas, ele está sobre a criação, unido à divindade do Pai, Deus mesmo, por meio do Verbo, no Espírito, guiou o seu povo. Se o Espírito estava no meio ao povo, quer dizer que Deus mesmo, mediante o Filho, no Espírito estava no meio dele[5].
Unidade na Trindade
Santo Atanásio reforçou a fé apostólica, pela qual jamais é tolerável uma mudança na Unidade na Trindade. Assim a santa e bem-aventurada Trindade é inseparável e unida em si mesma, de modo que não fala do Pai sem que o Filho esteja com ele unido o Verbo seu e o Espírito que é no Filho e no Pai. Única é de fato a graça que se origina no Pai, através do Filho e se completa no Espírito Santo. A palavra de Deus é clara na afirmação que existe somente uma só divindade, um só Deus que está acima de todos, através de todos e em todos (Ef 4,6)[6].
Santo Atanásio afirmou que a Trindade é inseparável, porque ninguém pode separar o Filho do Pai, ou o Espírito do Filho, ou do Pai mesmo. Seria deste modo temeroso, incoerente e falso com a fé apostólica, afirmar que a Trindade é diversa e heterogênea em si mesma, ou que o Filho é de substância diferente do Pai ou que o Espírito é estranho ao Filho?![7]. A unidade é reforçada na Trindade, porque as pessoas divinas estão unidas entre si.
As criaturas e o Criador
O bispo de Alexandria teve presentes também à diferença entre as criaturas e o Criador. Enquanto as criaturas foram feitas do nada, tendo presentes nelas um princípio para o existir delas, como se disse que no princípio Deus fez o céu e terra (Gn 1,1). O Espírito Santo é de Deus, pois ninguém conhece aquilo que é do homem, se não o espírito do homem que é nele; assim ninguém conhece aquilo que é de Deus se não o Espírito de Deus (1 Cor 2,11-12)[8].
O Espírito santifica
O Espírito é chamado Espírito de santificação e de renovação. As criaturas por sua vez são nele, santificadas e renovadas. A Igreja pede para enviar o seu Espírito, tudo será criado e renovará a face da terra (Sl 103,30). Desta forma se o Espírito Santo não é santificado, nem participa da santificação, mas são os outros que participam dele, e se nele as criaturas são santificadas, Ele é o Criador[9].
O Espírito é vivificante
O bispo de Alexandria também disse que o Espírito Santo é vivificante, aquele que dá vida como Deus Pai e Deus Filho. São Paulo tinha presente este ponto que Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos, vivificará também os corpos mortais por meio do seu Espírito que habita nos corações humanos (Rm 8,11). Santo Atanásio afirmou contra os trópicos e dirigindo-se a Serapião, que o Senhor é a vida em si, é o autor da vida (At 3,14), tendo presente o discurso de São Pedro ao povo de Deus. No entanto o Senhor Jesus Cristo disse que a água que ele dará, tornar-se-á nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna (Jo 4,14)[10].
Diante da presença do Espírito Santo são vivificadas as criaturas por meio dele. O bispo condenava os trópicos, os quais colocavam o Espírito Santo na fase das criaturas e afirmando contra estes grupos de fiéis que o Espírito Santo não participa da vida, mas Ele faz com que as coisas participem da vida que vem dele, da força que vem do Verbo e também do Pai[11].
O Espírito Santo ajuda na divinização do ser humano
Santo Atanásio colocou o ponto de que o Espírito Santo dá a graça de participar de Deus. Isto significa claramente que a unção e o selo que estão nos seres humanos não pertencem à natureza das coisas criadas, mas àquela do Filho, ao qual une ao Pai, mediante o Espírito que é nele[12].
Com a presença do Espírito Santo o ser humano faz parte da natureza divina mediante a participação do Espírito, de modo que ele diviniza o ser humano que o invoca e vive nele[13].
O Espírito é imagem do Filho
O Espírito está em união com o Filho, é dito a sua imagem. Como os trópicos acreditavam na divindade do Filho, Santo Atanásio também disse que a imagem dele, não pode ser criatura. Assim como é a imagem, deve ser aquele do qual é a imagem. O fato é que o Verbo é a imagem do Pai do qual também o Espírito pertence a natureza divina, sendo imagem do Filho[14], porque é o Filho quem pede ao Pai para ele vir às pessoas (Jo 14,16).
A sinodalidade na vida eclesial faz as pessoas caminharem juntas, sempre em atitude de abertura ao Espírito Santo que ilumina os fiéis a viverem a unidade com o Filho e com o Pai. Santo Atanásio ajudou ao seu irmão no episcopado Serapião que recorreu a ele, diante do grupo dos trópicos que negavam a divindade do Espírito Santo. Santo Atanásio teve o espírito sinodal porque colocou a fé apostólica que vinha de Cristo e dos apóstolos afirmando a divindade do Espírito Santo. Este tempo sinodal seja também um tempo de conversão para que todos vivam o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.
Fonte: CNBB Norte 2
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[1] Cfr. Atanasio. Lettere a Searpione, Lo Spirito Santo,11,1. Traduzione, Introduzione e Note a cura di Enrico Cattaneo S.I. Roma, Città Nuova Editrice, 1986, pgs. 59-60.
[2] Cfr. Idem, 11,5-6, pgs. 61-62.
[3] Cfr. Idem, 12,1-2, pg. 62.
[4] Cfr. Idem, 12,2, pg. 62.
[5] Cfr. Idem, 12, 3-5, pg. 63
[6] Cfr.Idem, 14,4, pg. 66.
[7] Cfr. Idem, 20,1, pg. 76.
[8] Cfr. Idem, 22,1, pgs. 81-82.
[9] Cfr. Idem, 22, 4-6; 23,1, pgs. 82-83.
[10] Cfr. Idem, 23,2, pg. 84.
[11] Cfr. Idem, 23, 3, pg. 84.
[12] Cfr. Idem 24, 1-2, pgs. 85-86.
[13] Cfr. Idem, 24,3, pg. 86.
[14] Cfr. Idem, 24,6, pg. 87.