A Páscoa dos judeus, de Jesus e de Madalena, sua amada!

Por Frei Jacir de Freitas Faria

 

Não existe Páscoa sem morte! (Jo 20,1-9)

O texto sobre o qual vamos refletir é Jo 20,1-9. Trata-se da ida de Maria Madalena, Pedro e João ao túmulo de Jesus. Eles comprovam que Jesus fez a sua Páscoa. O que é isso, Páscoa? Em nossos dias, parece simples e quase banal falar de Páscoa. Basta ofertar um ovo de Páscoa e agradecer ao coelhinho que o trouxe para mim. Você me diria que não tenho razão, pois com esses símbolos celebramos a vida que nasce do ovo e se multiplica velozmente nos coelhos. Verdade! Você tem razão. Precisamos de símbolos para viver, suportar a vida na sua dureza, na sua dor sem fim. Os símbolos nos ligam ao mundo imaginário dos sonhos.

Páscoa é também isso e muito mais. Os judeus celebram a Páscoa relembrando a saída da escravidão do Egito. Nós a celebramos recordando a passagem de Jesus para junto do Pai. Os judeus comem o cordeiro. Para nós, cristãos, o cordeiro é Jesus imolado para nos salvar.

A morte está presente nessas duas experiências pascais. O medo dos judeus de perderem os seus primogênitos para o anjo da morte fez com eles marcassem suas casas com o sangue da morte de um cordeiro, de modo que o anjo da morte pudesse pular as casas marcadas. Isso se explica pelo fato de que Páscoa, Pessach, em hebraico, em sua formar verbal piel é também pular ou mancar.

A dor da morte do cordeiro, um animal de grande doçura, cordialidade e próximo da família judaica que o sacrifica na véspera do Jantar (Séder) de Pessach, é quase um despedir-se daqueles que ele aprendeu a gostar. Ele morre chorando. A dor da morte de Jesus na cruz o levou a soltar um grande grito, mas também a dizer: “Tudo está consumado!” (Jo 19,30).  Há uma diferença entre a morte do cordeiro e a de Jesus. Morto na cruz e abandonado pelos seus amigos, Jesus não foi abandonado por Deus que, na sua passagem, o levou de volta para a sua casa, a casa do Pai, de onde viera.

Casa do Pai, de Deus, em contraste com a casa dos judeus e casa de nossa vida. Ela tem nome, Egito de nossa vida. Egito em hebraico, Mizraim, lugar da prisão, onde passamos a vida sofrendo, procurando amar e ser amado. Egito nunca mais!

Assim fez Jesus, que passou a vida na casa de sua família e de seus amigos. Trabalhou com eles. Conheceu a limitação de um Pedro traidor, a quem ele disse, te amo assim mesmo. Aceitou Judas, o ladrão, no seu seleto grupo de amigos.

O grande segredo da Páscoa de Jesus foi de viver com sabedoria a dor de viver para fazer a Páscoa. Olha que interessante, na véspera de sua morte, ele exigiu que celebrassem com ele a festa da Páscoa, a sua Páscoa, a sua passagem. Muitas vezes antes, ele já havia preparado os seus amigos para a dor que eles sentiriam com a sua morte. Eles sofreriam porque aprenderam a amá-lo, assim como Jesus os amou. Jesus sabia que quem ama sofre. Ninguém vive sem sofrer. Ao nascer, já sofremos para deixar o útero, a casca do ovo que nos protegia. E aí vem o choro de alegria e de tristeza de ter que viver.

A Páscoa de Madalena tem relação com a proximidade que tinha com Jesus. Madalena nunca foi prostituta, mas recebeu essa alcunha por papa Gregório Magno, em 596, quando ele fez uma interpretação equivocada de Lc 7,37-52, afirmando que a pecadora do texto era Madalena. Com seu discurso, ele converteu os pecadores de Milão, mas alcunhou para sempre aquela que era apóstola e amada de Jesus. Testemunha da ressurreição, Madalena foi uma mulher que esteve à frente de seu tempo. Não foi prostituta, mas liderança na primeira hora do cristianismo.

No evangelho de João 20,1-9 é dito que Madalena saiu à noite, na escuridão da morte que nos deixa vazios, sem amor e com o desejo de ter quem amamos de volta ao nosso convívio. A sua pressa pelo caminho expressa o desejo incomensurável de trazer de volta o amado que se foi. O correr é o sinal evidente de quem ama. O amor corre, não para nas dificuldades da vida. Ele é sem medo, não paralisa. Os discípulos ficaram parados, com medo, Madalena, ao contrário, não.

Madalena carrega dentro de si a fé que iria encontrar Jesus. Ela não sabia como, mas o seu desejo era maior que as limitações de um guarda que vigiava o sepulcro. Em Jo 20,11-18, ela se encontra com dois anjos, que são a presença terna e eterna de Deus. Que tem fé ama, não tem medo. O medo não nos deixa ver, nem com os olhos, nem com o coração. Madalena diz aos seus companheiros: “Eu vi o Senhor. Eu vi Jesus ressuscitado.” Essa sua fé é tamanha que tudo transcende. Ver é crer nos evangelhos, diferente do escutar para os judeus. Madalena ama. Ela não tem medo. O amor ressuscita as pessoas. Elas continuam vivas dentro de nós, ainda que ausente. Por isso, sofremos a morte de quem amamos e não fazemos com a morte de quem não era próximo afetivamente.

O túmulo de Jesus é o vazio, o nada, o silêncio. É cada um de nós morto com aquele (a) que jaz eternamente. É o vazio existencial mesclado com o desejo de trazer de volta aquele que amamos. É um amontoado de pedras que guarda o amor de nossas vidas. Perto de um túmulo, um jardim, flores, símbolos da gratidão, do desejo e da saudade do amado que partiu. Nas flores, o fim da saudade, o deixar o amado partir. As lágrimas por alguém que morreu se cristalizam nas flores de um túmulo. Essas flores não murcham nunca, pois elas vivem dentro de quem ficou. A vida é assim. Chega um momento que não é mais possível chorar pelo ente querido. Ai de nós se as flores não existissem para catalisar as relações humanas no momento da partida. As flores expressam o fim das saudades.

Com as flores, a saudade: vontade de ver e encontrar de novo o amado. A saudade é quase como a morte. Ela é tão forte que só quem a experimentou de verdade sabe o quanto ela dói. Ter saudade é o mesmo que buscar no mais profundo de nós as lembranças do amado (a). E essa tarefa parece não terminar. Para alguns é infindável. Ela só termina quando o coração se sente possuído pelo amor eterno, que não morre mais. E saudade deixa de ser a morte, pois o amado passa a viver para sempre e sempre viverá ainda que ausente.

No encontro com amado, o desejo de tocá-lo e agarrá-lo: vontade de possuir para sempre o amado. É corporeidade sem limites. Maria Madalena quer tocar Jesus. Jesus diz para Maria Madalena: ‘vá e diga aos apóstolos, teus companheiros de caminhada, que eu volto para a casa de meu Pai’. Seja você força na caminhada deles. E eles estarão com você no caminho do amor. Maria Madalena, nesse momento, compreende que Jesus vive dentro dela. Não há mais o que procurar a não ser ela mesma. Isso é ressurreição!

Na partida, um adeus: é ficar com Deus, o amado que vive eternamente no eterno mistério da procura. No adeus está sempre um desejo reencontrar e, ao mesmo tempo, a certeza do encontro definitivo da vida em Deus, em Jesus, que não morre mais. Maria Madalena foi dizer aos seus que Jesus vive eternamente. Ele não morreu. O amor é eterno.

No adeus, a eterna ressurreição: Maria Madalena parte para a anunciar a Pedro e aos apóstolos que Jesus ressuscitou. Pedro se encontra com Maria Madalena e dela recebe o anúncio da ressurreição. Nesse encontro, uma surpresa: “A fiel rocha de Pedro se esmigalhou como areia, mas a fé de Maria é verdadeiramente rocha (…). A parte masculina do amor revelou-se em energia, forte é a feminilidade. O sol do amor masculino se põe na morte, o sol do amor feminino levanta-se na ressurreição”. Isso é Páscoa! Isso é ressurreição!

A nossa vida é um caminhar para superar a limitação de ser humano para nos tornarmos um ser divino. Páscoa é a passagem, a volta para Deus, assim como fez Jesus e Maria Madalena.

Da dor da morte, renasce a vida eterna. Da casa do Pai, Ele nos protege, cuida e nos orienta. Na casa de nossa vida, Ele estará para sempre. Não existe Páscoa sem morte! Pascoa é experimentar Deus na vida, mas também na dor e na solidão da ausência.

Fonte: Franciscanos

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