“É dessa forma que devemos entrar na liturgia, com humildade de quem se deixa lavar por Cristo. Deus não quer uma falsa modéstia, que rejeita a sua bondade, mas a humildade que se deixa lavar, acolhendo a sua misericórdia. E este o modo como Cristo se doa a nós”.
No nosso espaço memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos falar no programa de hoje sobre “a origem da Eucaristia no Mistério Pascal”.
Nos últimos programas deste nosso espaço Memória Histórica, temos destacado alguns temas tratados no livro de Joseph Ratzinger, “Teologia da Liturgia – o fundamento sacramental da existência Humana”, publicado no Brasil pelas Edições CNBB. Na edição passada, padre Gerson Schmidt nos trouxe uma reflexão sobre “a dupla finalidade do êxodo: o culto e a Terra Prometida”. No programa de hoje, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre nos fala sobre “A origem da Eucaristia no Mistério Pascal”, enfatizando que “devemos entrar na liturgia, com a humildade de quem se deixa lavar por Cristo”:
“Na obra preciosa, agora traduzida no Brasil pelas edições da CNBB, de Joseph Ratzinger, disponível nas editoras brasileiras, intitulada “Teologia da Liturgia – o fundamento sacramental da existência Humana” – Obras completas, Volume XI, Joseph Ratzinger apresenta a origem da Eucaristia no mistério pascal. A partir da cruz, torna-se evidente que Jesus faz romper os critérios usuais. Tal qual no lava-pés, torna-se manifesto aquilo que ele é e aquilo que ele faz.
“Na cena do lava-pés, o evangelho resume a totalidade da palavra, da vida e do sofrimento de Jesus…Ele, que é o Senhor, se abaixa; depõe as vestes da glória e se faz escravo, que está à porta e cumpre para nós o serviço de escravo do lava-pés. Este é o significado de todo a sua vida e de todo o seu sofrimento: Ele se inclina para os nossos pecados sujos, para a sujeira da humanidade, e nos lava e purifica no seu amor maior. O serviço de escravo, de lavar os pés, tinha o significado de tornar as pessoas idôneas para o banquete, capazes de estar em comunidade, de modo a poderem se sentar juntas à mesa. Jesus Cristo, por assim dizer, nos torna, diante de Deus e de uns para com os outros idôneos para o banquete e capazes de estar juntos. Nós, que, sempre de novo, não conseguimos suportar-nos mutuamente; nós, que não somos aptos para Deus, somos por Ele escolhidos. Ele se reveste, por assim dizer, de nossa miséria, e, no momento em que nos toma consigo, nós nos tornamos capazes de Deus, obtendo o acesso a Deus. Somos lavados no momento em que nos deixamos inclinar par entrar no seu amor. Esse amor significa que Deus acolhe sem condições prévias, mesmo se não somos dele, nem dignos dele, porque ele, Jesus Cristo, nos transforma e se torna nosso irmão”[1].
É dessa forma que devemos entrar na liturgia, com humildade de quem se deixa lavar por Cristo. Deus não quer uma falsa modéstia, que rejeita a sua bondade, mas a humildade que se deixa lavar, acolhendo a sua misericórdia. É este o modo como Cristo se doa a nós[2]. Cristo se rebaixa a condição de escravo, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.
As expressões “Isto é o meu corpo” – “Isto é o meu sangue” são expressões retiradas da linguagem sacrifical de Israel, com as quais eram indicadas as ofertas que se sacrificam a Deus no templo[3]. “Usando essas palavras, Jesus indica a si mesmo como sacrifício definitivo e verdadeiro no qual chegam à realização todas aquelas tentativas vãs do Antigo Testamento. Nele vem acolhido aquilo que nele tinha sempre sido desejado, mas jamais podia ser alcançado. Deus não quer sacrifícios de animais, tudo lhe pertence. Também não quer sacrifícios humanos, porque criou o ser humano para a vida. Deus quer algo maior: quer o amor que transforma o homem, pelo qual o homem se torna capaz de Deus, se abandona em Deus”[4].
Por isso, Deus não quer mais o nosso sacrifício vazio de velas, de esforços humanos, de práticas externas sem o coração puro e contrito. Na missa, o grande sacrifício de Cristo já foi feito uma vez por todas. No ofertório dizemos: “receba por tuas mãos esse sacrifício”. Não é o sacrifício aqui semelhante ao Antigo Testamento que foi ineficaz, mas o sacrifício redentor de Cristo feito em definitivo por nós.
Os sacrifícios realizados durante a história inteiro resultam supérfluos e superficiais. O grande ofertório de Jesus Cristo na Cruz é que resulta em definitivo e verdadeiro para a salvação de nossos pecados. Na última ceia e na cruz, Jesus faz uma oferta pura e agradável a Deus. Ele sofre por muitos, pela humanidade, no que seu sofrimento se realiza e resume este grande culto da humanidade. “Ele mesmo é, por assim dizer, o puro ‘ser para’, aquele que não está diante de Deus por si mesmo, mas para todos”[5].
Fonte: Vatican News
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[1] RATZINGER, Joseph., “Teologia da Liturgia – o fundamento sacramental da existência Humana” – Obras completas, Volume XI, edições da CNBB, Editor em Lingua alemã: Cardeal Gerhard Muller e Editor em Lingua Portuguesa Antonio Luiz Catelan Ferreira, Brasilia-DF, 2019, p. 290.
[2] Idem, 291.
[3] Cf. JEREMIAS, Joaquim. Die Abendmahlsworte Jesu. Göttingen: 1960.
[4] RATZINGER, Joseph., “Teologia da Liturgia – o fundamento sacramental da existência Humana” – Obras completas, Volume XI, edições da CNBB, Editor em Lingua alemã: Cardeal Gerhard Muller e Editor em Lingua Portuguesa Antonio Luiz Catelan Ferreira, Brasilia-DF, 2019, p. 292.
[5] Idem, 293.