A oração de Maria: o Magnificat

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Por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém (PA)

 

O cântico de Maria é conhecido como o “magnificat”, porque em latim começa dizendo “magnificat anima mea Dominum” (A minh’alma engrandece o Senhor). Todavia, a grandeza dessa oração (de fato magnífica), não está simplesmente em seu conteúdo, mas sobretudo, na revelação do perfil da consciência religiosa de Maria e na visão que ela tem de Deus. O magnificat não nos fala somente de Maria, mas também da presença de Deus na história da Salvação revelando sua misericórdia.

  1. Magnificat: conteúdos e horizontes

O dinamismo da fé de Maria presente em sua oração, nos estimula a ampliar os nossos horizontes nos educando a não nos fecharmos no intimismo espiritual e religioso. Maria é a fiel de mente religiosa aberta! A oração de Maria é aberta pois é uma oração de louvor pela manifestação de Deus em sua vida, na história do seu povo e dos povos ao longo do tempo. Repetindo as palavras do magnificat, somos chamados também a louvar a Deus pelas maravilhas que faz conosco e por suas grandes marcas ao longo da história. Dessa forma somos chamados ao louvor e à ação de graças por suas maravilhas também em nossa história contemporânea, às vezes, tão marcada pelo pessimismo. O magnificat é profundamente otimista, cheio de alegria e esperança. Maria nos ensina que a nossa confiança em Deus deve nos levar ao reconhecimento das suas obras no universo, no mundo e na vida das pessoas.

Na oração do magnificat, Maria nada pede! Isso nos diz que quando somos beneficiários de grandes graças, o sentido da gratidão e de louvor a Deus devem estar em primeiro lugar. Quantas vezes somos beneficiários de muitas graças, entretanto, nem sempre manifestamos o devido louvor e gratidão a Deus por sua bondade.

Diante de tão grande graça que representava enorme responsabilidade assumida, Maria não manifesta medo, ansiedade, insegurança, dúvidas. O magnificat também nos revela a solidez da confiança que Maria tinha em Deus. Por isso, não se sentiu abalada pela incerteza do futuro.

O contexto do magnificat é vocacional e missionário. Após o seu sim, Maria vai ao encontro da sua prima Isabel necessitada de sua ajuda. O magnificat acontece, então, dentro da experiência missionária contemplando as maravilhas que Deus fizera também na vida de Isabel. A experiência de Deus fazendo maravilhas no ventre de Isabel precedeu aquela experiência de Maria. Deus é sempre assim, nos precede aonde quer que vamos. E todos aqueles que encontramos como destinatários da nossa missão já fizeram, de muitas formas, alguma experiência de Deus. No magnificat encontramos, então o perfil de Maria afetivamente livre, missionária, contemplativa.

Do ponto de vista geográfico, ou socioambiental, o magnificat não acontece numa sinagoga, nem no templo e nem em algum santuário, mas ocorre num ambiente familiar. Maria nos estimula a pensar que Deus faz maravilhas nas famílias, e elas constituem ambientes de oração, de louvor e de ação de Graças. No magnificat nós temos um encontro de famílias, um abraço de mulheres grávidas! Nessa imagem tão querida, temos a profecia da beleza da Pastoral da Criança chamada a acompanhar e a catequizar as grávidas, promovendo o amor à vida e a catequese do ventre materno.

O magnificat não é um solilóquio, mas é parte de uma experiência de diálogo entre duas mães de gerações diferentes; dessa forma o magnificat é a manifestação de Maria no seu diálogo com Isabel (cf. Lc 1,42-45).

O cântico de Maria, não está no vazio gratuito, mas dentro de um contexto de comunicação, de relacionamento, de troca de experiência de fé, de manifestações da gratidão de Deus por seus benefícios concedidos a elas e à humanidade. Está dentro de um contexto de profundas experiências místicas, ou seja, de envolvimento com o mistério de Deus que se manifestou nelas profundamente beneficente e misericordioso.

  1. O magnificat na Redemptoris mater

O Papa São João Paulo II na encíclica Redemptoris mater (1987) refletindo sobre o magnificat afirma: “No arroubo do seu coração, Maria confessa ter-se encontrado no próprio âmago desta plenitude de Cristo. Está consciente de que em si está a cumprir-se a promessa feita aos pais e, em primeiro lugar, em favor de «Abraão e da sua descendência para sempre»: que em si, portanto, como mãe de Cristo, converge toda a economia salvífica, na qual «de geração em geração» se manifesta Aquele que, como Deus da Aliança, «se recorda da sua misericórdia» (RM,36).

Ainda afirma que no magnificat está a denúncia do pecado ao longo da história: a incredulidade, a fome, a soberba, as injustiças, a prepotência dos poderosos. Ainda nos adverte o Papa João Paulo II que o magnificat, na sua riqueza de conteúdos, alerta a Igreja para o cuidado dos pobres e é permanentemente chamada conservar a liberdade de Maria proclamando a soberania de Deus na história (cf. RM, 29).

O cântico de Maria está em profunda sintonia com a sincera oração dos pobres, daqueles que depositavam sua esperança só em Deus, que conservavam em seu coração a expectativa de ver o Messias como fez o velho Simeão (cf. Lc 2,25-29).

Um dos aspectos mais significativos da oração de Maria é o ato de louvor a Deus manifestando sua convicção de que tudo o que lhe aconteceu é Dom de Deus (Graça!) e não mérito seu. “A minha alma engrandece o Senhor e meu Espírito se alegra em Deus meu Salvador” (Lc 1,46) porque Deus “olhou”, “mostrou”, “fez”, “estendeu”, “dispersou”, “derrubou”, “encheu”, “socorreu”, “cumpriu suas promessas”… Deus é o protagonista da sua vida e da história. Deus faz maravilhas surpreendentes! Esse reconhecimento dos feitos divinos em sua vida pessoal e ao longo da história é sinal da sua humildade, sensibilidade, consciência histórica do seu povo e da fidelidade do amor de Deus para com seus filhos.

Outro ponto merecedor de evidência é a importância dada à ação de Deus em favor dos pobres em detrimento dos ricos (egoístas, violentos), soberbos, orgulhosos, poderosos deste mundo. Deus é o senhor da história e seguindo os critérios evangélicos “quem se humilha será elevado e quem se eleva será humilhado” (Mt 23,12). Deus tem a última palavra por isso nunca devemos nos deixar levar pela vaidade.

No cântico de Maria encontramos uma profunda e firme postura profética quando ela afirma: “Doravante todas as gerações me felicitarão…” (Lc 1,46). Essa frase revela que Maria tinha consciência de ser a mãe do Messias. Todas as gerações a chamarão Bem-aventurada por causa da sua íntima relação com o Salvador da humanidade. Indiretamente ela estava proclamando o seu papel único no processo de preparação da salvação da humanidade. Ela é a mãe do “Deus conosco” e a “cheia de graça” (Mt 1,23; Lc 1,28).

  1. O cântico de Ana e o magnificat

O cântico de Maria tem uma profunda relação com o cântico de Ana (cf. 1Sm 2,1-10), mãe do profeta Samuel. Isso nos diz que Maria era conhecedora das Sagradas Escrituras. Ana era estéril, vivia triste, amargurada e sendo humilhada por Fenena (a outra mulher de Elcana, esposo de ambas). Em sua angústia Ana pede em oração: «Javé dos exércitos, se quiseres dar atenção à miséria da tua serva e te lembrares de mim, e não te esqueceres da tua serva, e lhe deres um filho homem, então eu o consagrarei a Javé por todos os dias de sua vida…» (1Sm 1,11).

Deus vem o encontro dos pobres e sofredores no tempo oportuno porque acompanha a história e se interessa por seus filhos. Ambas, Maria e Ana, contemplam a grandeza de Deus presente na história que vai deixando as marcas do seu poder e da sua bondade. Ambas nos ensinam que quem tem confiança em Deus, não dá espaço para o desespero diante dos males da história.

Deus com seu poder amoroso vai ao encontro dos pobres e humilhados que suplicam a sua manifestação, mas ao mesmo tempo é aquele que surpreende a humanidade apresentando aos homens e mulheres, o seu projeto propondo-lhes mudança de rota, redimensionamento de suas intenções, pois foi isso que aconteceu com Maria.

Sobressaem em ambos os cânticos uma atitude orante, cheia de louvor e gratidão a Deus por sua misericórdia. Ana e Maria nos ensinam que a experiência da oração deve ser alegre, cheia de gratidão e resposta ao amor de Deus. São duas mulheres contempladoras da misericórdia divina.

Enfim, no cântico de Ana há forte súplica, mas nos eventos que envolvem Isabel e Maria não há nenhuma forma de oração a Deus por uma graça, tudo é espontâneo. No caso de Isabel e Zacarias, Lucas afirma que eles “não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada” (Lc 1,7). Já viviam conformados, numa situação de resiliência e serenos. Ninguém pede nada, nenhum suplica e tudo recebem; é o mesmo que acontece com Maria: tudo é graça de Deus.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual é o perfil de Maria presente na oração do magnificat?
  2. Em que o magnificat pode enriquecer a nossa experiência de oração?
  3. Quais advertências religiosas colhemos do magnificat?

Fonte: CNBB Norte2

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