As duas faces da fortaleza
1. Após considerar alguns aspectos da prudência e da justiça, vamos abordar agora diversos traços da terceira virtude cardeal: a fortaleza.
Na nossa linguagem comum, quando ouvimos dizer de uma pessoa que é “uma mulher ou um homem forte” (em termos morais, espirituais), ou que é uma “alma forte”, logo nos vem ao pensamento: deve ter coragem, deve ser firme, deve ser valente perante o sacrifício, deve aguentar pessoas, sofrimentos ou situações difíceis… Pensamos assim, e temos razão.
De fato, a fortaleza é uma virtude moral que robustece a nossa vontade, para que seja capaz de enfrentar, sem medo, coisas boas, que são difíceis; e de ir atrás do bem custoso, “árduo”, sem desistir, dispostos a sofrer – por esse bem difícil – sem queixar-nos nem desistir.
Só com essa descrição, vê-se logo que a fortaleza tem duas manifestações:
a) A capacidade de enfrentar, empreender, assumir ideais, tarefas ou deveres elevados. Neste sentido, o Catecismo coloca, entre os traços da fortaleza, os seguintes: «É a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem»;
b) A capacidade de resistir, de aguentar: «Torna-nos – diz ainda o Catecismo – capazes de resistir às tentações e superar os obstáculos…, de vencer o medo, inclusive da morte, de suportar a provação e as perseguições» (n. 1808).
O Papa João Paulo II, em uma catequese de quarta-feira (15/11/1978), referia-se ao valor da fortaleza nestes termos: «A virtude da fortaleza requer sempre uma certa superação da fraqueza humana e, sobretudo, do medo. O homem, por natureza, teme o perigo, as moléstias, os sofrimentos… Desejo render homenagem a todos os que têm a coragem de dizer “não” ou “sim” quando isso custa».
2. As virtudes não são teorias nem ideais bonitos para admirar… São para viver. Não é verdade que todos precisamos muito de adquirir ou melhorar a fortaleza?
Para nos ajudar, vamos começar lembrando algumas das muitas “caras” da nossa fraqueza: não para ficarmos complexados, mas para que avivemos o desejo de lutar e de ser como aqueles primeiros cristãos aos quais escrevia São João: Eu vos escrevo, jovens [e não jovens], porque sois fortes, porque a palavra de Deus permanece em vós, e porque vencestes o Maligno (1 Jo 2,14).
Breve elenco de “fraquezas”:
a) Fugir de ideais, tarefas ou deveres só porque são difíceis. Vivemos na cultura da facilidade e do menor esforço. Essa mentalidade é uma fábrica de pessoas de caráter débil, que recuam perante as dificuldades… e nunca chegam a nada grande. Todos deveríamos desejar o que certo estudante solicitava a São Josemaria: «”Peça que eu nunca queira deter-me no fácil”.— Já o pedi. Agora só falta que te empenhes em cumprir esse belo propósito» (Caminho, n. 39).
b) Encolher-nos e parar quando surge um obstáculo que nos desafia. Os obstáculos são para superá-los e engrandecer-nos, não para contorná-los e apequenar-nos diante deles. «Cresce perante os obstáculos»(Ibidem, n. 12).
c) Ter medo do sacrifício, esquecendo que «nenhum ideal se torna realidade sem sacrifício» (Ibidem, n. 175).
d) Ter pavor do sofrimento. Veremos, ao meditar sobre a paciência, que a “arte de sofrer”, com fé e amor, faz parte da virtude da fortaleza. Por ora basta meditar estas palavras: «Quero que sejas feliz na terra. — Não o serás se não perdes esse medo à dor» (Ibidem, n. 217).
e) Ser do tipo comodista, que odeia ideais e sonhos e quer ser feliz vivendo vida “normal”, “como todo o mundo”, ou seja, vida medíocre. A esses, Deus pode lhes dizer que isso é uma mentira do diabo: «Vira as costas ao infame quando te sussurra ao ouvido: “Para que hás de complicar a vida”?» (Ibidem, n. 6).
f) Ser do tipo mole e frívolo, que deveria meditar seriamente estas outras palavras: « Não caias nessa doença do caráter que tem por sintomas a falta de firmeza para tudo, a leviandade no agir e no dizer, o estouvamento…, a frivolidade, numa palavra. — Essa frivolidade, que – não o esqueças – torna os teus planos de cada dia tão vazios (“tão cheios de vazio”), se não reages a tempo – não amanhã; agora! – fará da tua vida um boneco de trapos morto e inútil» (Ibidem, n. 17).
g) Ser dos que logo acham que fizeram muito e se cansam de fazer até o que seria o mínimo imprescindível. Deveriam aplicar a si mesmos este cutucão: « Não sejas frouxo, mole. – Já é tempo de repelires essa estranha compaixão que sentes por ti mesmo» (Ibidem, n. 193).
3. Que lhe parece? Não acha que, se formos sinceros, nos reconheceremos em vários desses traços?
Vamos reagir, então, e continuar a pensar na beleza da fortaleza e na necessidade urgente que temos dela. Para facilitar a tarefa, revisando o que acabamos de ver, meditemos agora com calma o seguinte
Questionário sobre fraqueza e fortaleza
─ Desculpo-me dizendo que “sou fraco”, ignorando que isso não justifica nada, pois todos, com a ajuda de Deus, temos a possibilidade e o dever de cultivar a virtude da fortaleza?
─ Perco a paz e me irrito quando aparecem dificuldades inesperadas? Sinto-me vítima da incompreensão dos outros ou das circunstâncias?
─ Já refleti sobre o fundo de verdade que têm esses dizeres, pintados no para-choque de um caminhão de estrada: “A vida é dura para quem é mole”?
─ Mudo de planos e horários só porque “custa” seguir o plano previsto?
─ Tenho muitos caprichos e manias, que são para mim uma coleção de “imprescindíveis”, que seriam perfeitamente prescindíveis?
─ Sou mole até para o esforço físico de me levantar da cadeira e prestar ajuda a alguém que precise de um pequeno serviço?
─ Sou, como dizia um humorista, uma “ameba de sofá”, ou seja, alguém incapaz de sentar-se sem se esparramar nas cadeiras, poltronas e sofás como se fosse “coloidal”, feito de gelatina?
─ [Para pais] Educo os filhos na falsa liberdade de quem consente em todos os seus caprichos e imposições? Facilito a infantilização de filhos adolescentes, ou já alunos de cursos superiores, pajeando-os como se fossem bebês (levo-os à balada e vou procurá-los altas horas, dou-lhes carona até a faculdade para que não se incomodem pegando ônibus ou metrô)?.
─ [Idem] Já refleti que os pais pouco exigentes e muito condescendentes criam, nos filhos, personalidades inconsistentes, incapazes de encararem com coragem as lutas da vida (dificuldades profissionais, casamento, filhos)?
─ [Idem] Caio na cilada de achar que a disciplina “bitola” e sufoca a liberdade? Não percebo que a indisciplina é uma fábrica de dependentes, egoístas e covardes?
Conclusões (Procure tirar as suas conclusões e anotá-las)
Fonte: Padre Francisco Faus