A Doutrina Social da Igreja e os horizontes da Catequese (parte 2)

Foto: Kasosita em Cathopic

Por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

 

Introdução

Há pouco, após breve cursos sobre a Catequese e a Doutrina Social, na avaliação uma catequista afirma: “essa reflexão nos proporcionou uma grande abertura mental nos fazendo contemplar amplos horizontes da catequese e nos mostrando a beleza da fé encarnada nas múltiplas realidades da vida da sociedade. Significa que não podemos reduzir a catequese à doutrina!” Esse depoimento não está isolado.  

Quando a catequese se reduz à dimensão sacramental e litúrgica puramente em nível pessoal, não levando em conta a pluridimensionalidade da fé, não abraça a totalidade da vida do discípulo de Jesus Cristo em todos os seus níveis de relação. Isso significa que a catequese não deve estar confinada à dimensão religiosa pessoal. Mas deve iluminar as relações sociais da vida do discípulo de Jesus Cristo, como sua dimensão econômica, política, profissional, cultural, lúdica etc. Mas vai além, a fé também deve tocar todas as realidades do bem comum, dentre elas, a natureza e as instituições sociais.    

 A identidade da Doutrina Social da Igreja 

A Doutrina Social da Igreja é o conjunto dos ensinamentos e da sensibilidade da Igreja Católica em relação à dimensão social da vida humana, presente no seu magistério, ou seja, nas encíclicas, declarações, decretos, notas, exortações apostólicas e oficiais pronunciamentos dos papas. São pronunciamentos oficiais, consequência da colegialidade! A Catequese deve assimilar a sensibilidade do magistério da Igreja. 

No II Capítulo do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (texto acessível a todos), documento do Pontifício Conselho para a «justiça e paz», encontramos uma longa descrição da identidade e função da Doutrina Social da Igreja. A Igreja tem consciência de que sua reflexão em âmbito social é consequência natural do anúncio do Evangelho que o Senhor lhe confiou que deve se atualizar ao longo da história que é uma mensagem libertadora trazendo consigo as exigências da promoção da justiça e da paz; assim a Doutrina Social da Igreja é palavra que liberta (cf. DSI, 63).  

“Evangelizar o social é, pois, infundir no coração dos homens a carga de sentido e de libertação do Evangelho, de modo a promover uma sociedade à medida do homem porque à medida de Cristo: é construir uma cidade do homem mais humana porque mais conforme com o Reino de Deus” (DSI, 63). A catequese é chamada a promover no discípulo de Jesus a paixão pela edificação da civilização do amor, da justiça e da paz. 

Ao centro e ao mesmo tempo fundamento teológico dessa sensibilidade e atividade da Igreja no campo social, está o mistério da Encarnação do Filho de Deus que assumiu a totalidade do ser humano, com todas as suas dimensões. Com o mistério da Encarnação, o Filho de Deus, abraçou inteiramente o ser humano: ser corpóreo e espiritual. 

“O homem todo, não uma alma separada ou um ser encerrado na sua individualidade, mas a pessoa e a sociedade das pessoas ficam implicado na economia salvífica do Evangelho. Portadora da mensagem de Encarnação e de Redenção do Evangelho, a Igreja não pode percorrer outra via: com a sua doutrina social e com a ação eficaz que ela ativa, não somente não falseia o seu rosto e a sua missão, mas é fiel a Cristo e se revela aos homens como «sacramento universal da salvação» (DSI, 65). Uma catequese desencarnada das realidades humanas, perde sua missão e sentido.   

 Evangelização e promoção humana 

Há uma íntima relação entre evangelização e promoção humana. A evangelização tem como foco a pessoa que não está isolada, mas inserida numa realidade social. Entre evangelização e promoção humana há laços profundos: «laços de ordem antropológica, dado que o homem que há de ser evangelizado não é um ser abstrato, mas é sim um ser condicionado pelo conjunto de problemas sociais e econômicos; laços de ordem teológica, porque não se pode nunca dissociar o plano da criação do plano da Redenção, um e outro a abrangerem as situações bem concretas da injustiça que deve ser combatida e da justiça a ser restaurada; laços daquela ordem eminentemente evangélica, qual é a ordem da caridade: como se poderia proclamar o mandamento novo sem promover na justiça e na paz o verdadeiro e autêntico progresso do homem?» (DSI,66).  

A doutrina social, tem uma função profética porque através da Igreja propõe as consequências diretas para a vida da sociedade contemplando a luta pela justiça e a paz como sinais do Reino de Deus. Essa não pode ser uma preocupação secundária. “Este é um ministério que procede não só do anúncio, mas também do testemunho” (DSI, 67). 

As preocupações da Igreja em relação à Doutrina Social não são de ordem técnica, mas ética, religiosa, espiritual. Não é função da Igreja apontar soluções técnicas para a melhoria da sociedade, mas proporcionar luzes e forças que podem auxiliar a organização e o fortalecimento da comunidade humana segundo a Lei de Deus. “A Igreja tem a competência que lhe vem do Evangelho: da mensagem de libertação do homem anunciada e testemunhada pelo Filho de Deus humanado” (SDI, 68). 

 A Igreja perita em humanidade 

A Igreja, seguindo os gestos, palavras e atitudes de Jesus Cristo que veio para salvar a humanidade, em todos os contextos é servidora da humanidade, promotora e defensora da sua dignidade. Assim, a DSI tem como objetivo propor princípios éticos, definir critérios e apresentar diretrizes gerais a respeito do desenvolvimento humano integral em vista da promoção da paz e da justiça no mundo.  

O eixo fundamental da DSI é a vida da pessoa humana. O ser humano, “criado à imagem e semelhança de Deus” é sagrado e deve ser incondicionalmente acolhido, respeitado, tutelado e promovido. O ser humano jamais perde a sua dignidade. Há uma íntima união da Igreja com toda a família humana. Por isso, o concílio Ecumênico Vaticano II declarou – “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja se sente real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (GS,1).  

Deve haver sempre uma profunda relação entre o dinamismo da catequese e a tarefa de promoção da sensibilidade humana. Quando os conteúdos da catequese só ficam na cabeça e não atingem o coração, não contribuem para a formação do bom samaritano, capaz de compaixão e misericórdia para com as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis.   

Enfim, a atenção da Igreja para com o ser humano é em vista de salvaguardar a sua dignidade inalienável, preservando a sua totalidade de dimensões de qualquer forma de reducionismos ideológicos, violência política e religiosa, ou agressão cientificista e utilitarista. A Igreja, à luz da Vida de Cristo, reconhece a dignidade da vocação humana, acolhe suas mais profundas aspirações, defende seus direitos naturais, respeita seus limites, educa, acompanha e orienta a humanidade. Por isso, o Papa Paulo VI na Carta encíclica Populorum progressio, não ousou afirmar que a Igreja é “perita em humanidade” (PP, 13).  

 PARA A REFLEXÃO PESSOAL: 

Por que a Doutrina Social da Igreja tem uma função profética? 

Por que há uma íntima relação entre a Igreja e a humanidade? 

O que significa que a Igreja é perita em humanidade? 

Fonte: CNBB Norte 2

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