A cruz que amadurece

Imagem de Vanesa Guerrero em Cathopic

Não há cruz sem sentido

 

A fé é um facho de luz que, antes de que qualquer coisa aconteça, nos assegura que «de Deus não nos pode vir mal algum» – como costumava dizer São Josemaria –, e nos convida a procurar entender, nem que seja obscuramente, a razão, a finalidade espiritual e o sentido divino de cada sofrimento. Para um cristão que vive da fé, não há cruz sem sentido.

Em algumas ocasiões, irá clareando dentro de nós, como uma luz crescente, a convicção de que Deus nos trabalha por meio do sofrimento: desde o produzido por uma simples dor de cabeça ou um objeto perdido, até o causado por uma doença grave, um fracasso profissional ou a perda de um ser querido. Aos poucos, vamos adquirindo a experiência de que «a dor é o martelar do artista que quer fazer de cada um, dessa massa informe que somos, um crucifixo, um Cristo, o alter Christus (o outro Cristo) que temos de ser»[1].

Quantas virtudes não se temperam, como o ferro na forja, por meio do sofrimento! A dor pode pulverizar-nos ou fortalecer-nos, enlouquecer-nos ou fazer-nos sábios. Já dizia Camões que o amor dá às almas sofredoras “poder para entenderem, à medida dos males que tiverem”[2].

Em geral, não costumamos ver o valor do sofrimento na mesma hora em que nos acomete. Mas o cristão, movido pela fé, procura compreendê-lo num segundo momento, que é feito de oração, de reflexão na presença de Deus, talvez de lágrimas aprazíveis. Então, sim – ajudados pela graça –, podemos descobrir a mensagem divina daquela dor, e vamos compreendendo, cheios de esperança, que é uma oportunidade magnífica de elaborar, como a abelha, o mel de uma humildade mais profunda, de um abandono em Deus mais completo, de um amor mais amadurecido.

Em outras ocasiões, o Espírito Santo nos faz perceber o valor do sofrimento como meio de expiação dos nossos pecados: é a mão paterna e materna de Deus que nos limpa, nos purifica com a cruz redentora e nos prepara para o encontro pleno com Ele no Céu. Assim via os padecimentos aquela mulher agonizante que são Josemaría acompanhava espiritualmente. Era por volta de 1931, no Hospital del Rey, de Madrid. Com muita frequência, o Pe. Escrivá visitava e atendia os doentes incuráveis que lá definhavam. Uma das pacientes sem remédio era «uma desventurada mulher, estragada pelo vício, de boa posição social no passado. Procedia de uma família aristocrática, mas tinha dissipado a sua juventude numa vida sórdida.

»Administrada a Extrema-Unção, o sacerdote ajudou-a a bem morrer, ao mesmo tempo que instilava na sua alma um orvalho de arrependimento: uma ladainha de louvores à dor, brasa divina que cauteriza, purifica e nos regenera de turvas sujidades.

»Ela, vencendo estertores, repetia feliz, muito feliz: “Bendita seja a dor! Amada seja a dor! Santificada seja a dor! Glorificada seja a dor!” – “Eu me lembrava – diria depois são Josemaria – de Maria Madalena; sabia amar“»[3].

Felicidade na Cruz

Pode chegar ainda um momento em que, já amadurecidos pela graça e com a alma aquecida pela proximidade de Deus ardentemente buscado e amado, sintamos o coração dilatar-se para espaços mais vastos e nos sintamos felizes amando a cruz – até mesmo a mais dura e penosa – por vermos nela um meio sublime de nos unirmos a Jesus Cristo e colaborar com Ele na redenção da humanidade, no bem espiritual, eterno, dos nossos irmãos os homens.

Neste sentido é que São Paulo dizia alegrar-se sobremaneira nos padecimentos que passava pelos seus discípulos: “Tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles consigam a salvação em Jesus Cristo, com a glória eterna” (2 Tim 2, 10); “completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja” (Col 1, 24).

Como é maravilhosamente comovedor pensar que uma alma generosa pode chegar ao ponto de amar o sofrimento com verdadeira alegria, unido ao “sim” que Cristo pronunciou por nossa salvação no Horto das Oliveiras! «Tu fizeste, Senhor – dizia são Josemaria –, que eu entendesse que ter a Cruz é encontrar a felicidade, a alegria […]; ter a Cruz é identificar-se com Cristo, é ser Cristo e, por isso, ser filho de Deus” [4]

Uma alma assim vê cumprir-se em si esta desconcertante bem-aventurança: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5, 4). «Os discípulos de Cristo – comenta Chevrot – serão consolados; nunca mais ficarão desolados, porque nunca mais estarão isolados. Nunca mais estarão a sós com a sua dor. O cristão é consolado quando sofre como Jesus Cristo. O socorro mais precioso que podemos encontrar nas aflições é a certeza de que Cristo sofre conosco… Tudo o que sofreu, escreve Santo Agostinho, sofremo-lo nós nEle; e tudo o que nós sofremos, Ele mesmo o sofre em nós. Felizes os cristãos que, ao chorarem, dizem com Cristo: “Pai, seja feita a tua vontade!… Pai, entrego a minha vida em tuas mãos!…” Já não estão sós! Foram consolados»[5] .

Fonte: Padre Francisco Faus – adaptação de um trecho do livro Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens


[1] Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei [volume único], São Paulo 1989, p. 119

[2] Canção X.

[3] Vázquez de Prada, obr. cit., p. 119

[4] Ibidem, p. 143

[5] O Sermão da Montanha, São Paulo 1988, pp. 87-90

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