A Cruz e os gritos

Imagem: Cappella degli Scrovegni, A Crucificação, de Giotto (Wikipédia, domínio público)

Por Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp.

 

Nesta meditação veremos que na cruz o próprio Jesus dirige uma pergunta a Deus em forma de um grito. Também enquanto Ele está ali suspenso, outras personagens lhe dirigem um grito. Comecemos por estes últimos.

Alguns que passavam por ali e assistiam ao espetáculo da morte daquele justo diziam: «Tu, que destróis o templo, e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo. Se és Filho de Deus, desce da cruz» (Mt 27,40). Pode parecer uma súplica piedosa, mas é na verdade um grito mascarado com uma tentação. Aqui, está posta em jogo a divindade de Jesus: se és o Filho de Deus. Também no deserto Jesus deparou-se com esta mesma situação: «Se tu és o Filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão» (Lc 4,3). Mas, seja no deserto que em sua cruz, ou seja, no momento mais decisivo de sua vida, Jesus não tenta a Deus, Ele não quer servir-se do poder, pelo contrário, mantém-se radicalmente em uma pobreza de espírito ao ponto de provar toda desolação e abandono. Ele permanece firme no seu voto de fazer a vontade do Pai que agora é também a sua.

O cristianismo autêntico nunca abandona a pobreza de espírito. Os discípulos de Jesus não renunciam ao caminho da cruz. Sabem que ser cristão é uma decisão séria que implica consequências que podem custar o preço da própria vida. Jesus tem consciência disso e não quer encontrar uma consolação barata, pois não se deixa persuadir por uma espiritualidade light ou por qualquer outro discurso que prega um Deus tapa-buraco. Não! É fiel a sua kénosis. Ele está ali e espera contra toda esperança.

Outro grito ecoa e chega ao coração do crucificado: trata-se daquele que vem de um malfeitor, porém arrependido. É um grito de um convertido, muito parecido com aquela oração que saiu da boca do publicano que não se sentia digno nem mesmo de levantar os olhos ao céu. Ele grita: «Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino» (Lc 23,42). Sim, este grito é diferente daquele anterior porque é de súplica, não de tentação e soberba: recorda-te de mim. A pobreza de espírito só tem sentido se for em relação com Jesus, a rocha que sustenta a nossa vida e a luz que guia os nossos passos. Naquele instante, o calvário tornou-se para o salteador um farol, pois ele viu toda a sua existência iluminada e para ele a cruz tornou-se uma âncora segura, descobriu que o instrumento de condenação e tortura agora com a luz de Cristo que está ali ao seu lado, tornou-se a maior de todas as graças em sua vida. O malfeitor poderia sentir-se como o apostolo Paulo: estou crucificado com Cristo. Não vivo, mas é ele que vive em mim. Este grito, vale a pena dirigi-lo sempre a Jesus: Lembra-te de mim, lembra-te de mim!

Por fim, «Por volta das três horas da tarde, Jesus bradou em alta voz: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?» (Mt 27,46). Jesus não está buscando uma consolação, mas ele entende que o sofrimento seja ele qual for deve ser sempre apresentado a Deus por meio de uma pergunta perturbadora que nem sempre encontra uma explicação. Este grito, diferente dos dois anteriores, não encontra uma resposta, há somente um silêncio cortante. Esta última pergunta dirigida a Deus, no entanto, é a prova extrema da fé de Jesus. O Pai não responde, ocorre um não dizer e um não fazer, pelo menos como espera a lógica humana. Mas Jesus, em sua radicalidade e fidelidade a sua cruz não abandona jamais a fé em seu Deus, mesmo que este pareça que o tenha abandonado na hora mais desoladora. Neste grito que não encontra resposta e que ecoa no silêncio e no vazio do calvário, estão incluídas todas as vítimas inocentes da história. Todos os que morrem antes da hora, aqueles que não tiveram a oportunidade de ver o desabrochar da vida porque outros não deixaram. No grito de Jesus está um pouco de nossa existência, às vezes confusa e abatida, golpeada pelo mal e pelos rumos sombrios que a história assume. Ali, no calvário, ecoa o grito de um homem desolado, mas abandonado em Deus.

Unamo-nos a Ele para insistir com nossa fé teimosa que espera e acredita: chegará a manhã da ressurreição.

Fonte: Franciscanos


Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente, faz o doutorado em Teologia Fundamental nesta Universidade.

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