Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta (RS)
São Paulo, pregador do evangelho, compreendeu que o elemento essencial e primário de nossa vida cristã é a morte na cruz e a ressurreição de Jesus Cristo. Tocamos o ponto central para Paulo e para todos nós: a consciência de que Jesus morreu por todos e para ele também. Vale dizer que Jesus morreu por todos e, sobretudo, por nós! Na cruz se manifestou o amor gratuito e misericordioso de Deus. Paulo, sobretudo, experimentou como este amor, que o transformou de perseguidor em crente, era pura “graça”. A morte de Cristo tinha seus méritos. Este evangelho da graça ele sempre anunciava.
Paulo falava da cruz de Cristo como “escândalo” e “loucura”. “Porque a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas pelo poder de Deus para os que se salvam, isto é, para nós […] aprouve a Deus salvar os fiéis por meio da loucura da pregação. Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos buscam a sabedoria, nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,18-23). Os judeus depositavam sua esperança nas obras e delas esperavam a salvação. Os gregos, na sabedoria humana. Porém, “para São Paulo, a cruz tem um primado fundamental na história da humanidade; ela representa o ponto focal da sua teologia, porque dizer Cruz significa dizer salvação como graça concedida a cada criatura” (Bento XVI, 29/10/2008). A força da pregação de Paulo é sua confiança no “poder de Deus” (1Cor 12,1). Aceitar o evangelho da cruz, do Crucificado-Ressuscitado, é realizar uma profunda conversão no modo de se relacionar com Deus, que não se baseia na arte da palavra, mas no amor a Deus, de quem se sabe amado por ele.
“O Crucifixo releva, por um lado, a debilidade do homem e, por outro, o verdadeiro poder de Deus, ou seja, a gratuidade do amor: precisamente esta total gratuidade do amor é a verdadeira sabedoria” (Bento XVI, 29/10/2008). O próprio São Paulo, falando de si, disse: “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela plenamente” (2Cor 12,9). Esta pequenez, tão estranha à mentalidade atual, é condição para nos reconciliar conosco mesmos, para termos o perdão e a liberdade. Em outras palavras, no Crucificado Ressuscitado, o ser humano é verdadeiramente humano.
O homem atual ainda procura o perdão? Ainda se reconhece pecador? Onde podemos encontrar nossa força? Onde fundamentamos nossa autoestima? Paulo nos recorda: “Amou-me e entregou-se por mim!” (Ef 5,2). A superação da nossa indiferença, de nossa falta de amor ao próximo, de nosso egoísmo, está ligado ao acolhimento em nossa vida de tudo o que Deus nos oferece no seu Filho. Por outro lado, aquele que já foi evangelizado sabe que “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). O que move o dinamismo apostólico de Paulo é uma grande dívida a Deus pelo seu grande amor a ele manifestado: “Sinto-me em dívida” (Rm 1,14). Cheio deste amor, Paulo deseja comunicá-lo aos outros com a mesma paixão de Jesus, como se Jesus quisesse amar as pessoas concretas através dele. “A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8). Eis como Jesus nos amou. Somente quem se sente amado sem interesse ou mérito pessoal pode entender o verdadeiro amor e se tornar, por sua vez, capaz de amar, de doar sua vida sem interesses. Na cruz de Cristo temos a reconciliação, fruto do seu perdão. Como nos disse o Papa Francisco: “O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros.” (EG 121).