A compaixão verdadeira: e Jesus chorou!

Há um versículo do Evangelho que diz apenas: E Jesus chorou (Jo 11, 35).

 

O fato aconteceu no vilarejo de Betânia, próximo de Jerusalém, em fins de fevereiro ou começos de março do último ano que Jesus passou nesta terra em carne mortal.

Encontrava-se, antes disso, longe de Jerusalém, do outro lado do rio Jordão, para se esquivar por uns tempos das mãos dos que procuravam prendê-lo, como nos conta São João (Jo 10, 39-41). Até esse lugar afastado chegou um dia, procedente de Betânia e coberto pelo pó do caminho, um mensageiro com um recado de uma família de três irmãos – Marta, Maria e Lázaro – que, com calor de amizade, acolhia Jesus sempre que ia até Jerusalém. O recado é um poema de carinho e confiança: Senhor, aquele que tu amas está doente. Marta e Maria não precisavam mencionar o nome do seu irmão mais novo, Lázaro. Bastava dizer aquele que tu amas, que Jesus iria entender. Também não era necessário pedir-lhe que fosse lá com urgência; era suficiente informá-lo. Tão grande era a certeza que elas tinham do amor de Jesus!

No entanto, com uma reação que os próprios discípulos de Cristo estranharam, o Senhor deixou-se ficar calmamente por mais dois dias naquela região distante. Como que para evitar equívocos, São João, que nos conta o acontecido, sente a necessidade de esclarecer: Ora, Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro. Mas, embora tivesse ouvido que ele estava enfermo, demorou-se ainda dois dias no mesmo lugar.

Como devem ter ficado desconcertados os Apóstolos quando, ao cabo desses dois dias, o ouviram dizer, com expressão tranquila: Lázaro morreu, e alegro-me por vossa causa de não ter estado lá, para que creiais. Nós, agora, entendemos bem estas palavras, mas os Apóstolos, na altura, não as podiam captar. Sabemos que Jesus tinha, desde sempre, o desígnio de ressuscitar Lázaro, restituindo-lhe a vida – num dos seus mais espantosos milagres -, após o corpo já ter entrado em decomposição. Por isso Jesus se alegra: pela fé que esse milagre iria suscitar, e pela alegria das irmãs, que veriam Lázaro voltar do túmulo, onde já o tinham deposto numa despedida definitiva. Com a sua ciência divina, Jesus sabe o que vai acontecer; sabe bem o que a sua vontade todo-poderosa vai ordenar: Lázaro, vem para fora! O morto, então, sairá com os pés e as mãos enfaixados e o rosto coberto por um sudário; e será desamarrado, e começará a andar, e ficará abraçando, e rindo e chorando.

Vale a pena frisar este clima de certezas divinas, para podermos compreender melhor por que Jesus, em Betânia, instantes antes de ressuscitar Lázaro, chorou.

Quando finalmente – após demorar-se dois dias – se encaminha para a casa da família amiga, mal chega lá a notícia de que está entrando no lugar, vai-lhe ao encontro Marta e, com carinho dolorido, desabafa: Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Quantas vezes as duas irmãs não teriam comentado isso entre si, naqueles dias de luto! O certo é que, pouco depois a outra, Maria, sai correndo, lança-se aos pés de Jesus e repete idênticas palavras: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido; e, enquanto fala, as lágrimas banham-lhe o rosto.

Prestemos atenção ao que diz o Evangelho, sem esquecer – repitamo-lo – que Jesus sabe perfeitamente que está a uma distância de poucos minutos do milagre da ressurreição de Lázaro. Pois bem, assentado interiormente nessa certeza, Cristo tem uma reação que convida a meditar: Ao vê-la chorar assim, como também os judeus que a acompanhavam, Jesus ficou intensamente comovido; e, sob o impulso de profunda emoção, perguntou: Onde o pusestes? Responderam-lhe: Vem ver, Senhor. E Jesus chorou. Diziam os judeus por isso: Vede como ele o amava!

Lágrimas de compaixão

Nenhum dos presentes duvidou um instante de que aquelas lágrimas fossem de amor. Alguns judeus chegaram até a recriminá-lo: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego de nascença, fazer que este não morresse? (cfr. Jo 11, 1-44). Muita razão tinham estes homens em pensar que Jesus amava entranhadamente Lázaro, mas, ao julgarem que Jesus chorava pela perda do amigo, não conseguiram penetrar no sentimento que encheu de lágrimas os olhos do Senhor.

Será que Ele chorou realmente pela morte de Lázaro? É difícil dizer que sim, uma vez que a morte era para Jesus um inimigo frágil, que Ele ia vencer daí a instantes com uma palavra apenas. Lázaro dorme – havia dito três dias antes, com total serenidade -, mas eu vou despertá-lo; palavras que São João esclarece com o seguinte comentário: Jesus falou da morte dele, mas os discípulos pensaram que falasse do sono como tal (Jo 11, 11-13). Não. Jesus não podia chorar pela perda de Lázaro, simplesmente porque essa perda não existiu. São João – o cronista presencial do acontecimento – ao escrever anos mais tarde o seu Evangelho, lembra-se claramente – porque lhe ficou gravado – que Jesus se comoveu e derramou lágrimas fundamentalmente porque viu chorar Maria, e Marta e os que as acompanhavam: Ao vê-la chorar assim […], ficou intensamente comovido (Jo 11, 33). Estas palavras desvendam o segredo das lágrimas em Betânia: foram lágrimas de amorosa compaixão.

Acabamos de deparar com uma palavra-chave – compaixão – que diz muitíssimo e, ao mesmo tempo, se presta a equívocas interpretações.

Que significa ter compaixão?

No seu sentido primeiro e mais exato, com-padecer (de onde vem compaixão) significa condoer-se, padecer pela dor de outro, sentir como coisa própria a pena e o sofrimento alheios, e assumi-los como se fossem nossos. Talvez esteja aí o cerne da compaixão: nesse assumir como próprio o que é de outro, quer seja uma limitação, quer uma necessidade, uma carência, um extravio ou uma miséria física, moral ou espiritual. “Dói-me o teu peito”, escrevia à sua filha- com esse espírito – Mme. de Sevigné.

Poderíamos definir melhor essa compaixão que vemos luzir nos olhos de Cristo em Betânia, traduzida em lágrimas, como um amor sentido e vivido, que faz colocar o “outro” no mesmo lugar que o “eu”, isto é, que põe sinceramente o coração do outro no lugar do nosso próprio coração, e faz com que o nosso bata, se alegre, chore – chorai com os que choram, dizia São Paulo (Rom 12, 15) -, lute, se empenhe e se entregue ao ritmo do coração amado, de modo que a vida do outro seja também “vivida” por nós.

É extremamente significativo que – numa das suas mais belas parábolas – Cristo tenha usado o sentimento e o ato de compaixão para ilustrar o mandamento divino que tantas vezes recordou aos homens: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lev 19, 18; Mt 19, 19 e 22, 39; Mc 12, 31, etc.). Referimo-nos à parábola do bom samaritano, que é exatamente a resposta a um doutor da Lei que, depois de ter citado esse mandamento divino, pergunta: E quem é o meu próximo? (Lc 10, 29).

A parábola focaliza, como expoente do amor ao próximo, o viajante samaritano que, ao encontrar um judeu ferido e meio morto na estrada que descia de Jerusalém a Jericó, moveu-se de compaixão. Sentiu compaixão, mas não ficou nisso: caso tivesse passado adiante, com lágrimas nos olhos mas sem mexer um dedo, como antes dele tinham feito um sacerdote e um levita, ele não seria senão um sentimental egoísta, como existem tantos. Este homem, porém, partiu para o ato da compaixão. Sem atentar para o fato de que o ferido pertencia a um povo inimigo, sem ficar ponderando que estava de passagem, com pressa, e com muitas coisas por fazer – caso contrário, nunca teria ido a Jerusalém -, o bom samaritano aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele em tudo (cfr. Lc 10, 30-37).

Será possível uma imagem mais clara do que seja a autêntica compaixão? Não é a compaixão dos tremeliques sentimentais sem consequências, mas a de quem coloca o outro no lugar do eu – como víamos -, e por isso faz pelo outro o que faria por si mesmo, ou, caso ele não possa, procura o auxílio de outros que o façam.

As lágrimas de Jesus em Betânia são, pois, a exemplificação viva do preceito de amar o próximo como a si mesmo. Já desde os começos do cristianismo, os mais antigos comentaristas viram na figura do bom samaritano uma imagem do próprio Cristo: «Este samaritano, Jesus – escrevia Orígenes – lavou os nossos pecados, sofreu por nós, carregou o homem que estava meio morto, levando-o à estalagem, isto é, à Igreja, que recebe a todos e que não nega o seu auxílio a ninguém, e à qual Jesus nos convoca dizendo: “Vinde a mim” (Mt 11,28)».

Na realidade, Jesus ultrapassou de longe esse preceito de amar o próximo “como a si mesmo”, uma vez que nos amou mais do que a si mesmo, chegando a aniquilar-se na cruz e a dar a vida para que nós tivéssemos vida (cfr. Jo 10, 10). Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos; vós sois meus amigos… (Jo 15, 13-14). Sim, Cristo amou-nos mais do que a si mesmo, e justamente por isso as suas palavras estão carregadas de uma autoridade impressionante quando nos repete sem palavras, a cada um de nós, ao ouvido, todos os dias e em todas as circunstâncias: Ama o teu próximo como a ti mesmo. Ou seja: “Vê as coisas dele como tuas, sente as suas necessidades como tuas, assume as suas dores e participa das suas alegrias como se fossem tuas…, vence, enfim, como se fosse o próprio diabo, o egoísmo e a indiferença”.

Que campo de reflexão não temos nesse exemplo de Nosso Senhor! Pensemos nas nossas omissões. O que fizemos que ficou aquém dos limites mínimos do amor? O que não fizemos e poderíamos ter feito? O que nem sequer mereceu um minuto da nossa atenção?

E examinemos sinceramente ainda os serviços que prestamos a meias ou de má vontade, a misericórdia recusada aos necessitados de bens materiais ou espirituais, a correção que a covardia inibiu, a conversa sobre Deus que o respeito humano gelou nos nossos lábios, o perdão que não soubemos dar ou expressar… Um mundo vastíssimo de omissões, um campo onde o amor cristão poderia ter descoberto pistas abertas que o convidavam a agir, estradas capazes de levar-nos a ir de mãos com muitos dos nossos irmãos e a caminhar com eles…; irmãos que, no entanto, abandonamos – como na parábola do samaritano – estendidos no caminho… Que fazemos com os outros? Que podemos fazer agora?

Convençamo-nos de que, a partir do momento em que nos decidirmos a desencravar o “eu” da nossa alma e a abrir as portas ao próximo, a nossa vida irá mudar. O nosso coração, que talvez esteja agora fechado numa árida tristeza, povoar-se-á de muitos “outros”, que o amor irá transformando em “nós mesmos”, e já não choraremos mais a nossa solidão, porque estaremos muito bem acompanhados. Brotará então a alegria, e se chorarmos, será apenas alguma vez, com as lágrimas fecundas do desejo de dar, que sempre almeja chegar mais longe, que sofre por se sentir pequeno ante o imenso panorama do amor que pode ser ofertado aos irmãos.

Esta é a grande lição que nos oferecem, com a sua fala silenciosa, as lágrimas que Cristo derramou em Betânia, quando se comoveu com o pranto das duas irmãs do bom amigo morto.

Fonte: Padre Francisco Faus – adaptação de um trecho do livro de F. Faus: Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens)

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