Por Pe. Johan Konings
O tempo de Natal é o tempo das reuniões em família, aquele almoço que começa com uma caipirinha ao meio-dia e termina ao pôr-do-sol… Mas o evangelho de hoje põe em xeque aquela sensação de segurança e aconchego, a família patriarcal, com a casa e os pais no centro e os filhos girando em redor. São José, partilhando a mentalidade de seu povo, deve ter julgado desse jeito patriarcal a respeito da educação de Jesus. Mas o evangelho nos conta uma história que entra em colisão com esse conceito tão natural…
Na véspera de se tornar membro adulto da comunidade judaica, os pais levaram Jesus para o templo de Jerusalém, para celebrar a Páscoa e mostrar-lhe a alegria de viver na comunidade dos fiéis israelitas. Na volta, constatou-se a ausência do menino na caravana. Depois de três dias de busca, o encontraram numa dependência do templo, recebendo aulas dos mestres de Sagrada Escritura. E aos aflitos pais, ele respondeu: “Não sabíeis que devo estar naquilo que é de meu Pai?” Depois, voltou com eles para casa e continuou vivendo lá na mais natural obediência filial.
Jesus tinha duas “casas do pai”: a de José, por enquanto; e a de Deus, para sempre. E esta última é a casa decisiva.
Essa história contém uma lição para os pais cristãos. “Teus filhos não são teus filhos”, diz o profeta no livro de Kahlil Gibran. Os filhos são filhos de Deus. É por isso que se batizam os filhos desde pequenos. Ora, isso tem consequências: a casa, o sustento e a educação que os pais cristãos proporcionam a seus filhos, por maior que seja sua dedicação, tudo isso está a serviço daquela “casa” mais importante e destina-se a um encaminhamento superior, no sentido do plano de Deus.
Os pais não educam seus filhos para si, mas para Deus. A pais ricos pode assim acontecer que paguem estudos de médico, para depois ver seu filho se dedicar, quase de graça, ao serviço de saúde da Prefeitura ou do Estado, para atender gente sem renda … A pais pobres – como foram José e Maria – acontece que o filho que lhes poderia facilitar a vida começa, num determinado momento, a empenhar todos os seus recursos nos projetos e nas lutas da comunidade. Nem por isso, tais filhos são desobedientes ou ingratos. Apenas manifestam que a casa de Deus é maior que a casa da gente.
“Já não sei onde está minha casa!” – frase colhida da boca de um jovem agente de pastoral, cansado de percorrer noite após noite as ruas do bairro. Um pai de família se queixa ao pároco de que seu filho, líder de jovens, nunca está em casa. Talvez os pais de tais filhos estejam passando pela aflição que assolou José. O consolo é: ler o evangelho até o fim…
Mas ficamos com outra preocupação ainda. A grande maioria dos filhos hoje não “se perde” no templo da comunidade, na “casa do Pai”, e sim, nos templos do consumo, os shopping centers, as danceterias etc. E o caminho que aprendem naqueles palácios da satisfação imediata e ilimitada não está no evangelho de Lucas- a não ser a parábola do filho pródigo.
Fonte: Franciscanos
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.