Nasceu-nos um menino
Deus na terra, Deus no meio dos homens. Não é mais aquele que outorga a lei no meio de relâmpagos, ao som da trombeta na montanha em labaredas, na escuridão de uma tempestade terrificante, mas aquele que se entretém com doçura e bondade num corpo humano com seus irmãos de raça. Deus na carne.
São Basílio Magno
Diante de nossos olhos a cena tantas vezes decantada: uma criança que nasce. Um espaço modesto, a manjedoura, a Mãe, José e o Menino, tudo singeleza e simplicidade. Tudo encantamento. Deus se torna acessível, palpável, próximo, criança. Christian Bobin diz: “A criança é que alimenta a vida”. A sociedade do descartável, do consumismo e da rotina foi perdendo a condição de extasiar-se diante da Criança.
Sim, Natal é Deus que se torna a encantadora figura de uma criança. Para Francisco de Assis dois abismos de amor de nosso Deus são revelados através do Natal e da Cruz. Os biógrafos de Francisco lembram que o santo festejava o Natal com inefável alegria. Chamava de festa das festas o dia em que Deus feito menino se amamentava como todos os filhos dos homens. O santo beijava a imagem do Menino com intensidade. A fragilidade do Menino fazia com que experimentasse alegria incontida. A grande notícia do Natal é que Deus continua sendo Mistério. Mas agora sabemos que Ele não é um ser tenebroso, inquietante e temível, mas alguém que se nos apresenta próximo, indefeso, afetuoso, a partir da ternura e da transparência de uma criança.
Escolheu tudo o que é pobre. Teodoro de Ancira nos ajudar a refletir: “Veio o Senhor de todos em forma de servo, revestido de pobreza, de modo a não afugentar os que buscava. Em terra incerta, escolhendo um lugar desconhecido para nascer, foi dado à luz por uma virgem pobre, na pobreza total, para que pelo silêncio cativasse os homens que vinha salvar. Pois se tivesse nascido na glória, rodeado de muitas riquezas, diriam sem dúvida os infiéis que a transformação da terra fora obra do dinheiro. Se tivesse escolhido Roma, a maior cidade do mundo, atribuiriam ao poder de seus cidadãos a mudança do mundo (Teodoro de Ancira, sec V).
Toda criança que nasce necessita ser acolhida em sua fragilidade. “Para reconquistar os homens, elevá-los a si, para falar com eles Deus veio a este mundo como criança, com o um balbucio que é fácil sufocar. E de fato sufocam. Sufocam-no fazendo do Natal a festa da sociedade de consumo, do esbanjamento, do institucionalizado, festa dos presentes e das decorações luminosas, do décimo terceiro salário, dos champanhes e panetones, festa de certa poesia de bondade generalizada, de um difuso sentimentalismo com verniz de generosidade e emoção. Outros sufocam Deus-menino impedindo-o de crescer: Deus permanece criança por toda a vida; uma frágil estatueta de terracota relegada a uma caixa, que se coloca no presépio uma vez por ano; é preciso um pretexto para dar certa aparência religiosa a esse Natal pagão. As palavras que essa criança trouxe aos homens não são ouvidas; são exigentes e inoportunas, enquanto um cristianismo adocicado é mais cômodo” (Missal Dominical Paulus).
Uma criança envolta em faixas: foi este o sinal dado pelo anjo aos pastores. Profundas as reflexões de Elredo de Rielvaux sobre as faixas que envolviam o menino: “Que sinal receberam os pastores? Encontrareis um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura. Ele é que é o Salvador. Ele que é o Senhor. Mas que há de especial no fato de estar envolto em faixas e deitado numa manjedoura? Não são tantas as crianças envolvidas em faixas? Então que tipo de sinal é este? Na realidade é um grande sinal se o soubermos compreender. E haveremos de compreender se não nos limitarmos a ouvir esta mensagem de amor, mas se tivermos no coração a luz que brilhou com os anjos. Foi assim que um deles apareceu como luz quando anunciou pela primeira vez esta notícia, para sabermos que só os que têm luz espiritual no coração é que ouvem a verdade (…) Belém , “a casa do pão” e a santa Igreja na qual se serve o corpo de Cristo, o pão verdadeiro. A manjedoura de Belém é o altar da Igreja, onde as ovelhas de Cristo se alimentam. Desta mesa está escrito: Diante de mim preparas uma mesa (Sl 22,5). Nesta manjedoura, Jesus está envolvido em panos e esse invólucro dos panos pode ser comparado aos véus do sacramento. Nesta manjedoura, sob as espécies de pão e de vinho está… o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Cremos que ali está o próprio Cristo, mas envolto em panos, isto é, oculto no sacramento. Não temos sinal maior e mais evidente do nascimento de Cristo do que seu corpo e sangue que recebemos todos os dias no santo altar; daquele que nascido da Virgem por nós uma vez, vemos por se imolar diariamente “(Sermo 2, in Natali Domini).
Fonte: Franciscanos