A beleza humano-divina da Família de Nazaré

Por Frei Almir Guimarães

 

♦ Ninguém pode pensar que o enfraquecimento da família como sociedade natural fundada no matrimônio seja algo que que beneficia a sociedade. Antes pelo contrário, prejudica o amadurecimento das pessoas, o cultivo dos valores comunitários e o desenvolvimento ético das cidades e vilas. Já não se atina claramente que só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função plena por ser um compromisso estável e tornar possível a fecundidade.
Papa Francisco, A alegria do amor, n. 52

♦ Entre o Natal e o Ano Novo somos convidados a contemplar a beleza humano-divina da família de Nazaré. Sabemos que o amanhã da humanidade passa pela família, como repetia sem cessar o Papa João Paulo II. Não ignoramos que a pequena célula da sociedade e da Igreja passa por delicadas, constantes e inusitadas transformações (fragilidade do vínculo conjugal, casamentos concluídos sem a devida maturidade, separações, recasamentos, união entre pessoas do mesmo sexo, crianças abandonadas pela inconsequências dos pais, miséria, guerra, conflitos urbanos). Ficamos penalizados vendo também casamentos que perduram sem viço e marcados por infidelidades do coração e do corpo. Pais, pastores e educadores vivemos refletindo sobre modos e meios de educar as novas gerações. Neste particular é como se sempre estivéssemos num canteiro de obras. Os que nascemos ainda na metade do século passado sentimos na pele a dificuldade de anunciar a Boa Nova da família cristã.

♦ Quais os valores próprios da família e a natureza dos laços familiares? A família é o lugar humano por excelência, o berço do homem, o espaço onde cresce o amor dos esposos, modelo das relações éticas, onde se exercem as responsabilidades dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais. Trata- de uma experiência humana inultrapassável porque enraizada nos laços humanos.

♦ A família é um bem para a sociedade porque o cidadão é pessoa e a pessoa cresce sendo amada e amando, sendo reconhecida e exercitando-se na arte do dom, ou seja, de um amor que a liberta do egoísmo. Na família o ser humano é considerado pelo que ele é e não por suas aparências. O homem é um mistério a ser descoberto e o primeiro espaço dessa viagem ao interior de cada um ocorre no seio da família.

♦ A família é o lugar em que o ser humano é colocado no mundo, cuidado, protegido, amparado em sua fragilidade. Ali se vivem os valores próprios da pessoa: reconhecimento, gratuidade, dom, comunhão.

♦ Ela não pode ser uma camisa de força sufocante, mas um espaço em que cada um pode se exprimir sem receios, desfrutando de certa independência, recebendo e dando o afeto que merecem e que precisam.

♦ A família será sempre um bem para sociedade porque aí nascem os futuros cidadãos de um país.

♦ Na família são transmitidos os valores da cultura, do comportamento. Ali se vive a herança recebida das gerações anteriores e são traçadas as linhas da vida num mundo que nasce diante de nossos olhos.

♦ Nós, cristãos, desejamos ardentemente que nossas famílias sejam efetivamente “igrejas domésticas”, pequenas células de acolhida da força do Evangelho. Por isso urge:

♥ que os jovens que se casam tenham plena consciência do que vem a ser um casal cristão, que se preparem bem para a recepção do sacramento do matrimônio, que vivam a cerimônia como uma visita de Deus e não apenas com uma cerimônia mundana;
♥ marido e mulher haverão de cultivar uma espiritualidade conjugal: ajuda mútua, santidade buscada em comum, transparência de vida, revisões de vida;
♥ trata-se de um empenho em se construir a conjugalidade;
♥ os dois aprenderão o respeito pelos mais frágeis: o feto, as crianças, os “especiais”, os idosos e doentes;
haverão de fazer de sorte que o espírito do Sermão da Montanha impregne sua casa e não as leis do mercado, do consumismo e da aparência.


Para refletir

Cuidado com “famílias” fechadas!

Vale a pena refletir sobre estas considerações do Papa Francisco sobre o tema da “família alargada”.

Além do círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos, temos a família alargada, que não pode ser ignorada. Com efeito o amor de um homem e de uma mulher no matrimônio e, de forma derivada e mais ampla, o amor entre os membros da mesma família – entre pais e filhos, irmãos e irmãs, entre parentes e familiares – é animado e impelido por um dinamismo interior e incessante, que leva a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar. Aí também se integram também os amigos e as famílias amigas, e mesmo as comunidades de famílias que se apoiam mutuamente nas suas dificuldades, no seu compromisso social e na fé.

Esta família alargada deveria acolher, com tanto amor, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de seus filhos, as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem a solidão, os idosos e doentes, que não recebem o apoio de seus filhos, até incluir no seio dela mesmo os mais desastrados nos comportamentos de sua vida. E pode também ajudar a compensar as fragilidades dos pais, ou a descobrir e denunciar a tempo possíveis situações de violência ou mesmo de abuso sofridas pela crianças, dando-lhes um amor sadio e um sustentáculo familiar, quando seus pais não podem assegurar.

Por fim, não se pode esquecer que, nesta família alargada, estão também o sogro, a sogra, e todos os parentes do cônjuge. Uma delicadeza própria do amor é vê-los como concorrentes, como pessoas perigosas, como invasores. A união conjugal exige que se respeite as suas tradições e costumes, se procura compreender a sua linguagem, evitar maledicências, cuidar deles e integrá-los de alguma forma no próprio coração, embora se deva preservar a legítima autonomia e a intimidade do casal. Estas atitudes são também uma excelente maneira de exprimir a generosidade da dedicação amorosa do próprio cônjuge.

Papa Francisco, A alegria do amor.n.196-198


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

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