A amizade nos Atos dos Apóstolos e epístolas

Por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará

 

A chave de leitura para entendermos a importância da questão da amizade nos Atos dos Apóstolos e nas diversas cartas é a amplitude e o dinamismo do mandamento do Amor deixado por Jesus Cristo. O batismo é o ponto de partida e fonte de compromissos com o exercício de um estilo de vida cheio de conteúdos amistosos, ou seja, alicerçados no amor. Nos escritos há uma grande diversidade de referências à amizade, fraternidade, boa convivência; a fé cristã deve ser rica em virtudes (cf. 2Pd 1,6-8). Faremos menção simplesmente a alguns aspectos desse universo amistoso.

  1. O Amor é a fonte da Amizade

Escrevendo aos Efésios, o apóstolo Paulo afirma: “Enraizados e alicerçados no amor, vocês se tornarão capazes de compreender, com todos os cristãos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, de conhecer o amor de Cristo, que supera qualquer conhecimento, para que vocês fiquem repletos de toda plenitude de Deus” (Ef 3,17-19). O amor é a plenitude do cumprimento da Lei (cf. Rm 13,10).

O apóstolo afirma que o amor de Deus foi derramado em nós (cf. Rm 5,5) e nada nos separa do amor de Deus para conosco (cf. Rm 8,35-39). O amor é autêntico, fraterno, carinhoso, recíproco, benevolente, beneficente, justo, acolhedor, solidário, gratuito, generoso, prestativo, justo, cuidadoso, verdadeiro, misericordioso, eterno (cf. Rm 12,9-20;1Cor 13,4-8).

Paulo recomenda, “vistam-se com o amor, que é o laço da perfeição” (Cl 3,14); “vivendo no amor autêntico, cresceremos sob todos os aspectos em direção a Cristo” (Ef 4,15). A amizade autêntica nos proporciona a possibilidade do crescimento integral.

Do Espírito amistoso, fruto da fé, da esperança e da caridade, brotam inúmeras virtudes que qualificam a relação das pessoas, grupos, comunidades e povos entre si. As Cartas de São João são permeadas do espírito amistoso.

  1. O espírito amistoso nos Atos dos Apóstolos

Lucas inicia seu segundo livro mencionando a amizade logo no início dizendo: “No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar, desde o princípio, até o dia em que foi levado para o céu” (At 1,1-2). O destinatário do livro é o “amigo de Deus” aquele que, através do testemunho dos apóstolos chega à adesão plena a Jesus Cristo, Deus Salvador.

A comunidade primitiva é o grande exemplo de testemunho comunitário da Amizade evidente nos seus diversos retratos. As referências sobre ela ressaltam o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da sensibilidade, da partilha, do espírito de tolerância e amizade. “Todos eles tinham os mesmos sentimentos” (At 1,14).

A festa de Pentecostes pode ser considerada a celebração universal da Amizade reunindo muitos povos, culturas, línguas e nações, pois nela desaparecem todas as barreiras e se evidencia o bom entendimento e na harmonia nas relações (cf. At 2,1-13). O segundo retrato da comunidade primitiva ressalta que a multidão dos fiéis eram só o coração e uma só alma, ninguém considerava como propriedade particular aquilo que possuía, todos gozavam de grande aceitação, ninguém passava necessidade e tudo entre eles era compartilhado (cf. At 4,32-37). Onde há verdadeira amizade nas relações internas dentro de uma comunidade, desaparece o individualismo.

O terceiro retrato da comunidade primitiva ressalta a dimensão social da Amizade comunitária, ou seja, a abertura do amor fraterno capaz de causar impacto positivo no contexto social; os fiéis eram elogiados e o povo transportava seus doentes para as praças para serem curados de enfermidades físicas e espirituais (cf. At 5,12-16).

Quando Lucas menciona Gamaliel, fariseu, doutor da lei e membro do Sinédrio, mostra que ele era estimado pelo povo e também se manifestou sabiamente amigo dos apóstolos defendendo-os da fúria dos fariseus que queriam matá-los (cf. At 5,34-39).

  1. Amigos colaboradores

Paulo de Tarso passou por uma conversão integral, e sua dimensão afetiva foi profundamente restaurada, pois, de perseguidor, homem agressivo, fechado e intolerante que era, passou a ser uma pessoa profundamente aberta, paciente, amável, acolhedora e respeitosa para com todos (cf. At 9,1-19;1Cor 9,22). A conversão tem uma profunda dimensão afetiva. Desse modo, desenvolveu uma grande capacidade de relação interpessoal e de trabalho amistoso com os outros, como o fez com Barnabé, Lucas, Timóteo, Tito, Urbano, Prisca e Áquila, Aristarco, Demas, Clemente etc. Muitos foram os seus amigos colaboradores (cf. Rm 16).

Especial atenção é dada a Onesíforo que, pelo que parece na segunda carta a Timóteo era alguém com o qual tinha uma profunda amizade: “O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque muitas vezes ele me deu ânimo, e não se envergonhou das minhas cadeias; antes, quando veio a Roma, diligentemente me procurou e me achou. O Senhor lhe conceda que naquele dia ache misericórdia diante do Senhor.” (2Tm 1,16-18). O amigo dá ânimo ao outro, dele não se envergonha e o procura em suas necessidades. A atitude de gratidão e oração é um compromisso permanente com os nossos amigos. Por outro, a extensa lista dos colaboradores e amigos de Paulo, nos acena para a importância da amizade solidária a serviço da evangelização.

Se por um lado, a amizade sincera tem um potencial benfazejo, os apóstolos advertiram as comunidades para não se deixarem enganar por falsos amigos, bajuladores e charlatãs: com palavras doces eles enganam o coração das pessoas simples (cf. Rm16,18); são fraudulentos e disfarçados (cf. 2Cor 11,13-15); falsos mestres cheios de heresias agindo com palavras enganosas (cf. 2Pd 2,1-3); as más companhias corrompem (cf. 1Cor 15,33). Por isso é preciso atenção e sabedoria para discernir os bons dos falsos amigos (cf. Gl 2,4).

  1. Amizade socialmente responsável

A carta a Filemon é um texto riquíssimo sobre a beleza da amizade. Paulo declara que Filemon é seu amigo e colaborador; cita Ápia e Arquipo como os seus colaboradores de luta e outros ao final da carta (cf. Fm 1-2.24). O teor da carta revela uma amizade rica de liberdade e elogios. Filemon é um homem que traz consigo uma fé exemplar na bondade de coração (cf. Fm 4-5); sendo possuidor de bens, Paulo pede a Deus que seu amigo compreenda que tudo aquilo que temos, a Deus pertence (cf. Fm 6).

Essa experiência de amizade era fonte de alegria e de estímulos para Paulo e de tranquilidade para os cristãos (cf. Fm 7 – certamente por causa da bondade de Filemon para com os cristãos). Entre os amigos deve haver liberdade pautada pelo amor, por isso, Paulo intercede em favor de Onésimo, jovem prisioneiro, para que Filemon o receba de volta (cf. Fm 8-12 – o jovem Onésimo estava preso porque tinha provavelmente roubado seu patrão, amigo de Paulo); a experiência da amizade é animada pelo desejo de beneficência e filantropia. O verdadeiro amigo luta pela libertação do outro e faz o possível para que tenha de vida digna (cf. Fm 13-16). Vemos aqui a liberdade de um amigo para com o outro, que intercede por um necessitado.

Há uma íntima relação entre amizade e promoção da dignidade humana; ao final da carta há um detalhe que reforça esse vínculo de amizade entre Filemon e Paulo: “Peço também que prepare um quarto para mim, porque espero ser devolvido a vocês, graças às orações que estão fazendo” (Fm 22). Uma das mais significativas notas caraterísticas da amizade entre as pessoas é a experiência da confiança, da oração e da liberdade. Entre os amigos verdadeiros, desaparecem o medo e a formalidade.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Em que o espírito amistoso nos Atos dos Apóstolos enriquece nossas comunidades?
  2. O que significa falar da dimensão afetiva da conversão?
  3. O que a amizade de Paulo para com Filemon e Onésino nos ensina?

Fonte: CNBB Norte2

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