A última parábola de Cristo
Meditaremos sobre a aquisição, cultivo e crescimento das virtudes humanas: das virtudes morais.
Mas antes de entrar no tema, é preciso que acendamos uma luz. Sem ela, as melhores coisas que possamos dizer sobre as virtudes humanas ficariam incompletas e até confusas.
Assim como, na primeira parte, nos ajudou a imagem empregada por Cristo da vida como construção de um edifício, agora vamos procurar luzes na última parábola que Jesus expôs antes de ir para a Cruz: a alegoria da videira e as varas (Jo 15,1-8).
Eu sou a videira verdadeira – dizia Jesus na Última Ceia –, e mau Pai é o agricultor […] O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira, vós os ramos. (Jo, 15, 1 e 4-5).
A vida do ramo – da vara ou sarmento, de onde pende a uva – procede da seiva, que vem das raízes da videira. Sem seiva, a vara seca; sem seiva, não há fruto.
Sabe o que é essa “seiva” que Cristo – a videira verdadeira – nos transmite, quando estamos unidos a Ele? A graça de Deus, a graça que o Espírito Santo – amor eterno entre o Pai e o Filho – infunde na nossa alma, como o grande fruto da Redenção realizada por Cristo. De maneira simples e bela, São Paulo diz que o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5), e que esse dom do Amor – já desde o Batismo – nos dá uma vida nova (Rm 6,4).
Trata-se de uma realidade divina, que as palavras humanas são incapazes de exprimir. Os Padres da Igreja dos primeiros séculos, para explicar a transformação que a graça do Espírito Santo opera na nossa alma, recorriam a comparações. Uma delas, muito expressiva, é a do metal posto ao fogo: ao ficar em brasa, adquire as qualidades do fogo; sem deixar de ser o que era – metal – ganha o ardor, a luz e o calor que, sozinho, jamais teria. Coisa análoga faz a graça do Espírito Santo nas almas, elevando-as, “divinizando-as”, tornando-as filhos de Deus (cf Jo 1, 12; Gl 4,6-7), membros da família de Deus (Ef 2,19).
Graças a esse fogo divino nós podemos viver e agir como filhos de Deus muito amados (Ef 5,1) E, se não perdemos a graça do Espírito Santo pelo pecado, as nossas virtudes terão a “seiva” da graça, a qualidade sobrenatural das virtudes dos filhos de Deus, dos “irmãos de Cristo” (cf Rm 8,16 e 29). Serão as virtudes humanas do cristão.
A graça e as virtudes humanas
As virtudes humanas já foram conhecidas e estimadas há milênios pelos pagãos. Platão – como lembrávamos acima – formulou a doutrina básica das quatro virtudes “cardeais”: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Aristóteles e os filósofos estoicos (Epicteto, Cícero, Sêneca, etc.) aprofundaram nas quatro, e em muitas outras que estão ligadas a elas. Os mesmos valores básicos encontram-se nas tradições éticas do confucianismo, do hinduísmo e do budismo.
O cristianismo não rejeitou esses valores, antes assumiu a doutrina clássica das virtudes, como o fez com todas as verdades autênticas da sabedoria humana. Neste sentido, São Paulo aconselhava: Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar os vossos pensamentos (Fl 4,8).
No entanto, o enfoque cristão modificou profundamente – pela raiz – a perspectiva pagã. Com efeito, o ideal pagão apreciava as virtudes como um desafio de grandeza pessoal, como domínio de si, como vitória do esforço moral do “sábio”, como supremacia da inteligência e da vontade sobre os instintos e as emoções.
É uma moral que tem muitas coisas elevadas e sempre válidas; por isso, Santo Tomás pôde aproveitar grande parte da Ética a Nicômaco de Aristóteles. Porém, já desde o início, a alma cristã percebeu que esses valores pagãos – por positivos que sejam – padecem de insuficiências.
Virtudes pagãs e virtudes cristãs
Vejamos quatro insuficiências da visão pagã das virtudes:
– Primeira: o pagão virtuoso é autossuficiente. Acha que não precisa de Deus para ser perfeito. Quando muito, deve resignar-se ao destino inexorável dos deuses. O herói e o filósofo pagão têm o perigo de viver facilmente num clima de orgulho, de autocomplacência. Ignoram a virtude da humildade, não a compreendem. Valorizam o forte e o sábio, mas menosprezam o fraco e o ignorante. Pelo contrário, o cristão ama a todos como irmãos e valoriza especialmente os pequeninos, os pobres, os fracos, filhos queridíssimos de Deus (cf. Mt 18,3 e 10).
– Segunda: esquece que uma parte importante do amadurecimento nas virtudes é a “cura” dos defeitos enraizados na alma, o arrependimento e o perdão de Deus. O ser humano está contaminado pelo pecado. Sem curar as feridas interiores, mediante a graça e o perdão de Deus, a virtude fica enfermiça, é um ramo árido e triste.
– Terceira: as virtudes pagãs não têm o seu centro no amor. Desconhecem o Espírito Santo e a extraordinária novidade da caridade cristã. Como poderiam entender o que escrevia São Paulo: Se não tiver amor, não sou nada (1Cor 13, 2)? Ou o que dizia, mais rotundamente, São João: Quem não ama permanece na morte (1 Jo 3,14). O amor é a “alma” das virtudes cristãs.
Sempre recordarei a tristeza com que uma mãe de família de origem oriental me dizia, depois de uma primeira viagem à terra dos antepassados: «É uma pena. Eles são bons, mas não conhecem a caridade».
– Quarta: não sabem – por não conhecê-lo ou por conhecê-lo mal – que o modelo supremo, único, definitivo, da plena perfeição das virtudes humanas é Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito homem (Símbolo Quicumque).
Por isso, São Paulo podia resumir a vida cristã dizendo: Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Progredi no amor, seguindo o exemplo de Cristo, que nos amou e se entregou por nós (Rm 5,5). Progredir no amor!
Por exemplo, diante da cruz, da dor, o estoico dirá apenas: “Seja forte”. E o sábio pagão: “Seja indiferente ao sofrimento, esteja por cima dele”. Mas o cristão… Vou lembrar um episódio que fala por si. Um rapaz, gravemente doente contava ao sacerdote que o atendia que, naqueles dias, rezava olhando um crucifixo, e lhe dizia: “Jesus, sofro porque dói muito; mas sorrio porque te amo!”.
É importante termos isso presente quando falarmos depois da importância do nosso esforço por adquirir as virtudes humanas. Sem a graça e sem o amor, o esforço é estéril.
As virtudes humanas do cristão
As virtudes humanas do cristão são as mesmas virtudes cardeais dos pagãos, as quatro clássicas – prudência, justiça, fortaleza e temperança –, mais as outras que lhes são anexas.
Como o pagão, o cristão tem que lutar para adquirir essas virtudes; a graça não o dispensa do esforço necessário para as possuir. Mas a novidade é que o Espírito Santo comunica a essas virtudes “qualidades divinas”, que mudam tudo:
– Primeiro, faz delas “virtudes filiais”. O cristão que vive da fé, pode exclamar, extasiado, como São João: Caríssimos, desde agora somos filhos de Deus! (1Jo 3,2). E, quando se empenha em ser mais forte, mais prudente, mais justo, mais moderado…, não visa a satisfação vaidosa de se sentir “bom”; a única coisa que procura é a que buscava o coração de Cristo: cumprir com amor a vontade do Pai, fazendo o que lhe agrada: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou (Jo 4,34). Eu sempre faço o que é do seu agrado (Jo 8,29).
– Além disso, o Espírito Santo infunde no esforço humano a força de Deus. A São Paulo, que se angustiava por não conseguir vencer uma grande dificuldade pessoal, Cristo lhe disse: Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força (2 Cor 12,9). Depois de ouvir essas palavras, o apóstolo escrevia, feliz: Posso tudo naquele que me dá forças (Fl 4,13).
O Catecismo resume brevemente estas verdades: «As virtudes humanas… são purificadas e elevadas pela graça divina» (n. 1810). «Não é fácil para o homem ferido pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da salvação, trazida por Cristo, nos concede a graça necessária para perseverar na conquista das virtudes».
O cristão de boa vontade, aberto à graça de Deus, estará em condições de amadurecer mais depressa nas virtudes humanas, assim como o ramo sadio da videira tem condições de receber a vitalidade da seiva, ao passo que o ramo seco ou quebrado a desperdiça.
São Josemaria recordava muitas vezes esta realidade. «Quando uma alma se esforça por cultivar as virtudes humanas – dizia –, o seu coração já está muito perto de Cristo… As virtudes humanas são o fundamento das sobrenaturais… Se o cristão luta por adquirir essas virtudes, a sua alma dispõe-se a receber com eficácia a graça do Espírito Santo. E as boas qualidades humanas ficam reforçadas com as moções que o Paráclito introduz na alma». (Amigos de Deus, nn. 91,92).