A celebração do casamento é um momento especial na vida do casal que decide se unir em matrimônio – um sacramento da Igreja. No ‘grande dia’, os noivos que prepararam tudo nos mínimos detalhes realizam o sacramento dado na presença de um padre ou diácono e dos presentes na Igreja. O padre faz aquele sermão, é lágrima para cá, sorriso para lá e no final é só alegria.
Para o casal Dayton Denis Siqueira e Simone Aparecida Pereira, de Franca (SP), o dia do casamento foi mais que especial. Os dois noivos surdos foram surpreendidos ao subir no altar e descobrir que a cerimônia de casamento deles seria em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, e que seria feita pelo padre Wilson Czaia, que também é deficiente auditivo e pertence ao clero da Arquidiocese de Curitiba.
“Eles não esperavam que eu pudesse vir, mas com o apoio da família e dos padrinhos foi uma grande surpresa. Tenho feito muitos casamentos entre surdos e entre surdos e ouvintes. Para mim é uma alegria servir os surdos através do ministério sacerdotal. Só um surdo para entender bem o que outro surdo sente”, destaca.
Segundo o padre, no sacramento do matrimônio é muito importante que os noivos estejam sintonizados com o sentido do sacramento. “Como falamos a mesma língua (Libras), tudo se torna mais claro”, ressalta.
E nada melhor que o casal Dayton e Simone para contar o que eles sentiram ao ver o padre Wilson entrar na Igreja. O portal da CNBB entrevistou o casal em Libras com o apoio e tradução do intérprete e coordenador da Pastoral dos Surdos, Clésio José da Silva, da Igreja Sagrado Coração, em Franca (SP).
Dayton explicou que sonhava em ter seu casamento em Libras. “Quando eu perguntei se o padre Wilson poderia vir, o padre disse que já tinha um compromisso em São Paulo. Pedi então ao Clésio que conversasse com o padre Ovídio, e o padre também já tinha compromisso. Então, ficou combinado que o padre Luiz Brentini faria a cerimônia”, explicou.
O casal conta anda que ficaram muito tristes quando o seminarista Márcio avisou que não tinha padre para fazer o casamento, mas que não era para eles se preocuparem pois já tinham chamado um padre substituto.
“Ele pediu para que a gente olhasse para a porta da Igreja. Quando vimos o padre Wilson ficamos surpresos, felizes e choramos muito. Por que o padre fez parte da nossa história de quando nos conhecemos”, disse Dayton.
Quando eles me viram entrar na Igreja não conseguiram falar nada, ficaram surpresos, emocionado. “Dayton chorou muito, disse que na hora parecia que Jesus entrava junto com o padre”, lembra o sacerdote que nasceu surdo.
A história do casal Simone e Dayton começou em 2012 no Hallel de Franca (SP) – Festival de Música Católica que ocorre anualmente. Daylton conta que estava na tenda ‘Mãos que Evangelizam’, e estava inquieto, se sentindo sozinho e querendo ir embora, mas atendeu ao pedido do padre Wilson, que também estava na tenda para ficar mais um pouco. Foi aí que viu a Simone e ficou encantado. Se aproximou começou a conversar e logo trocaram número de celular para conversar no WhatsApp já que ela morava na cidade de Jacui, e a partir daí começaram a namorar.
“Eu ia a Jacui sempre que podia. O tempo passou, conversamos e decidimos morar juntos em 2016”, disse Dayton.
A convivência com outros surdos já casados e com filhos, eles decidiram oficializar a união. Para casar na Igreja Dayton precisou receber os sacramentos da Eucaristia e Crisma. Para realizar o sonho do casamento, ele contou com a ajuda da professora de catequese Elza, e dos Interpretes Maria Lúcia e o do seminarista Valmir. E assim, o casal foi se firmando na convivência com o grupo da Pastoral dos Surdos, participando das missas todo domingo, na Igreja Sagrado Coração, em Franca (SP).
“Com os interpretes nas missas nós conseguimos entender e participar das celebrações”, disse Simone.
Agora casados, estão felizes. Dayton disse antes de finalizar a entrevista que Simone é linda, boa esposa e que a ama muito. O casal, que não teve lua de mel, está se preparando para que em 2020 possam realizar, também, esse sonho.
Para o arcebispo de Curitiba (PR) e presidente da comissão episcopal pastoral para a animação bíblico-catequética, Dom José Antônio Peruzzo.
“A presença do padre Wilson Czaia é um precioso auxilio na arquidiocese. Mas não precisamos ter padres surdos para comunicar com eles. O que é preciso parece-me é que todas as dioceses, congregações, grupos tenham nos seus projetos a atenção a quem é portador de deficiência. A inclusão não pode ser uma ideia apenas. É uma experiência. Antes de qualquer habilidade, antes de qualquer projeto, antes de qualquer iniciativa é preciso compaixão, se não a linguagem se torna um aprendizado técnico”.
História do padre
Quem é Wilson Czaia?
Sou natisurdo, nasci surdo. Sou o segundo filho e meus pais logo no início foram atrás de ajuda para estimular minha fala. Estudava um turno na escola normal de ouvintes e outro turno numa escola especial, onde pude aprender a emitir os sons que nunca ouvi. Sempre usei aparelho, mas é mais para autodefesa, e consigo distinguir uma buzina de caminhão, um alarme, uma sirene. Mas com as pessoas aprendi a leitura labial que facilita muito no relacionamento social. Se a pessoa fala com calma e tranquila capto 100% da conversa, mas se fala muito rápido fica difícil compreender. Mas, graças a Deus meus pais sempre me apoiaram e a escola Epheta, em Curitiba, da Ir. Nydia Moreira Garcez me ajudou muito.
Como tem sido o trabalho como sacerdote surdo. O senhor é o único?
Entrei no seminário graças ao apoio de toda a Arquidiocese de Curitiba, os reitores, dom Pedro Fedalto, dom João Braz de Avis, e dom Moacyr Vitti, que conseguiram colocar um seminarista para interpretar durante minha formação. Foi bem difícil, mas fui vencendo cada etapa e cada ano. Hoje já tenho 13 anos de sacerdócio e agradeço todos os dias por tantos surdos que já pude ajudar. A Pastoral dos surdos foi muito apoiada pelo então padre Ricardo Hoepers, hoje bispo da diocese do Rio Grande. Ele conhece profundamente a língua de sinais e a cultura dos surdos. No Brasil a Pastoral dos surdos tem altos e baixos, mas está praticamente em todos os regionais, e dom Celso Marchiori é o nosso bispo referencial. Em Curitiba foi criada uma Paróquia Pessoal para os surdos tendo como Padroeira Nossa Senhora da Ternura onde atualmente sou pároco, e faço tudo o que posso para ministrar os sacramentos aos surdos de Curitiba e do Brasil inteiro, onde praticamente sou o único padre natisurdo. Também sou o assessor eclesiástico da Pastoral dos Surdos do Regional Sul 2. No mundo somos 06 sacerdotes surdos, portanto é uma vocação rara e difícil, pois temos muitas limitações, mas é Deus que vai interpretando nossa vida com sinais de amor e misericórdia.
Qual a importância da Pastoral dos Surdos na Igreja no Brasil?
Para que tenhamos uma boa Pastoral dos Surdos, é fundamental que tenhamos bons intérpretes católicos. Os evangélicos investem alto na formação de intérpretes. Eu muitas vezes precisei chamar intérpretes evangélicos para ajudar surdos em algumas situações porque ainda temos poucos intérpretes católicos. Mas já está melhorando e hoje a Igreja, através dos meios de comunicação, está valorizando essa parcela da população que não pode ouvir e tem como primeira língua a LIBRAS. Assim, quanto mais intérpretes ouvintes com domínio da língua e bem qualificados melhor a Pastoral dos Surdos vai se desenvolver nas comunidades. Os surdos precisam ter acesso a todas as atividades da Igreja: missas, catequese, reuniões, leitura orante da Palavra de Deus, encontros de noivos, encontros de Batismo, grandes celebrações, cursos bíblicos, enfim, os surdos querem participar como católicos batizados e não somente olhar o que acontece. A inclusão ainda está longe, mas graças a Deus estamos a caminho, passo a passo e já avançamos muito.
Como sacerdote e surdo o que o senhor acredita que falta ainda para a pastoral e para os surdos católicos?
Ser surdo é viver olhando os sinais do mundo e buscando os sinais de Deus. Nós surdos somos sempre muito comunicativos e gostamos de viver intensamente nossas vidas com muito entusiasmo. Mas ainda tem muitos surdos que sofrem preconceito e não são bem aceitos e, por isso, é importante o apoio da família, a inclusão nas escolas, e o suporte das comunidades e paróquias para fazer acontecer o pedido de Jesus: effata, abre-te. Abrir-se para a vida, abrir-se para o perdão, abrir-se para o amor e a fraternidade para com todas as pessoas com deficiência.
Fonte: CNBB